sexta-feira, agosto 22, 2008

Ao som da viola

Foi até à varanda. Esperou que o som voltasse. Voz amiga. Voz amante. Voz materna e maltratada, nascida do seu ventre, alimentada entre os seus braços de fogo e desgraça. Apenas mais uma vez. Aquela voz que lhe sussurrava nomes de pássaros gigantes, que lhe contava histórias de cores, sabores, cheiros e sorrisos. Só mais um suspiro, réstia de som tão palpável, tão fugaz, tão etéreo...
Sentiu que o chão se abria debaixo dos seus pés. Olhou para o céu e teve a certeza. Era a última vez. Levantou os braços e tentou alcançar o imenso pássaro colorido, vaivém de uma Terra que deixou de pertencer. Em vão. O vazio engolia-a impiedosamente, arrastando janelas, portas, muros. Medos, sorrisos, abraços. Intensidades, sinceridades, veleidades. Sol, Lua, estrelas. A respiração abandonou-a. Fechou os olhos sem lágrimas.
Estou aqui - disse-lhe a voz, debruçada sobre o seu corpo inerte.
É sempre tarde demais.

sexta-feira, novembro 30, 2007

Essencial

(L'essentiel est) "tout ce qui ne s'apprend pas, ne s'enseigne pas, ne se juge pas, ne se punit pas." (Jean Cocteau)
Figuras de estilo que sobressaem da eloquência de uma língua como o Francês, é algo que não me deixa indiferente, aliás, é algo que me deixa diferente. Todas as sextas-feiras, a minha disposição é a mesma, preguiçosa, cataléptica, arrastada. A mesma rotina de gestos ausentes: casa-de-banho, casaco, eléctrico (ou carro, no caso de uma abençoada boleia), sala de aula. Procuro um lugar que permita manter-me nesta ausência de mim e aguardo o fim da aula. Aguardo sempre o fim. Novamente o casaco, o eléctrico, a casa. Quase fim-de-semana.
Hoje, ao sentar-me aqui para descrever esta manhã, apercebo-me de que tudo isto não se deve senão a uma falha imperdoável da memória, que apaga os dados recebidos na semana anterior e não deixa réstias do prazer que as tais figuras de estilo, na boca de um mestre de oratória, me têm proporcionado. Perdão ao Sr. Gergely, o mestre. São duas horas de deleite linguístico, de estórias da Revolução Francesa, de Napoleão, dos reis Ingleses ("Le roi anglais a des chaussures, il n'en achète pas!"), das mulheres e homens que enriqueceram, ao longo da história o fluxo de ideias, de estética, de valores da humanidade. Já há poucos mestres assim. Eu não conheço mais nenhum.
Na diversidade de coups de génie que o mestre Gergely seleccionou não tanto para nosso benefício, mas sobretudo para afirmar a posteridade de criações originais e inigualáveis, a arte e o engenho são mais do que simples conceitos. Hoje, a frase que transcrevi acima, ecoou na minha mente, por breves segundos. Reli-a. Sublinhei-a. Trouxe-a para aqui. Não pode ficar esquecida numa página de um livro do autor francês, ou na folha solta do curso de Metodologia da Comunicação Escrita do 3° ano de Informação e Comunicação, na Universidade Livre de Bruxelas. Tem de circular. Tem de ecoar também na tua mente e apropriar-se dos pensamentos de uma sociedade em busca de sentido. Tem de ganhar forma, tornar-se ser, corpo, gesto.
Este essencial a que se refere Cocteau, sem o nomear, não é mais que o horizonte a que a nossa natureza humana aspira, mas que parece afastar-se cada vez mais, até se tornar ilusão ou até cair no esquecimento. Entorpecidos pelo brilho dos placards, drogados por noções outrora desconhecidas (inúteis?) como globalização, poder de compra, competitividade; assim viramos as costas a esse essencial e cometemos a incoerência recorrente de o procurar nos livros, nas teses, nas bocas de experts, de políticos ou de qualquer outra personagem sob as luzes da ribalta. Tornamo-nos ainda mais frenéticos. É preciso fazer tudo, aproveitar tudo, conhecer tudo. Escolhas? Não há tempo! Excessos? Médicos especialistas, clínicas de stress, spa's. O outro? Que outro? Os verbos passaram a conjugar-se na primeira pessoa, apenas. E não, não é responsabilidade de um monstro chamado Inglês!
O essencial é tudo o que não se aprende, não se ensina, não se julga, não se pune. O eco destas palavras, na minha mente, continua a ser Amor. Mas, também poderia ser Verdade, Respeito, Sinceridade, Solidariedade...
(na caixinha de comentários, deixa também o teu horizonte! É assim que os diferentes fragmentos que és tu, sou eu, são os outros, vão compondo a bela melodia da Vida!)

quarta-feira, novembro 07, 2007

Fronteira

Veio-lhe à ideía de saltar para dentro do balão. "Que ideía parva!", pensou. "Se o vento estiver de feição, nem sei onde vou parar. E niguém me encontrará!" Sentiu o estômago às voltas e teve vontade de vomitar. O balão já saíra do lugar e balançava, impelido por um vento fraco, que aquela tarde quente de Verão não conseguira afastar. Era quase uma brisa. O balão não podia ir muito longe. O desenho de um sorriso começou a formar-se no seu rosto e logo se rasgou em diferentes ecos de uma gargalhada trinfante. Sabia que voltara a passar pela escuridão reconfortante do ventre de sua mãe e que era preciso renascer. Ao longe, as vozes estranhas confundiam-se com os gemidos que faziam vibrar as paredes grossas daquele balão. Não sabia de onde vinham, mas sabiam que também eram seus, estes gemidos que a sua própria garganta reconhecia, outrora produzidos por outra dor, noutro tempo, noutro espaço. Quis poder mexer as mãos, estender os braços e alcançar o pescoço de sua mãe; pedir-lhe baixinho que não gemesse, que não chorasse; dizer-lhe que estava ali, que não tivesse medo. E o balão continuou a mover-se, agora já sob a influência da agressividade do vento frio, aquele que ainda há instantes havia sido expulso da tarde quente de Verão. Essa ficara lá em baixo. Ali não havia calor, nem crianças a brincar, nem ondas do mar, nem arroz doce, nem cânticos de Natal. Ali havia o frio, os gemidos, a dor, os gritos abafados ao nascer. E o balão não parava. Contrariamente ao que previra, os Anjos não brincavam às escondidas atrás das nuvens. Não havia um céu, para além do azul que tantas vezes contemplara, através da janela do seu quarto. O que encontrava, naquela incerteza da viagem de balão, era o vazio. Um vazio pesado e bolorento. Voltou a sorrir. Sentia que uma força o impelia a libertar-se daquele conforto do balão e a lançar-se no desconhecido que o rodeava. Era um desconhecido aterrador. Escuro, pastoso, bafiento. Mas, algo dentro de si palpitava e ameaçava explodir, caso decidisse permanecer como espectador daquele filme de terror sem actores, enredo, sangue. E lançou-se. Impediu os pensamentos de continuarem a fluir e deixou-se cair. Como um pássaro que acaba de nascer, sem saber para que utilidade dar às extremidades do seu corpo, caiu. A queda pareceu infinita, mas saboreou cada novo odor, cada novo som, cada nova textura. Experimentou rodopiar com o auxílio do vento, dançou, cantou. A voz continuava muda, mas os sentidos cantaram com ela, por ela. Todo o seu ser rejubilava com o novo despertar. Sabia que ia morrer no instante seguinte, mas a vida que a queda lhe devolvera não tinha preço. Voltaria a morrer mil vezes.
Parou. Sabia que ainda não atravessara a fronteira da existência. Porque parara, então? Abriu os olhos e estremeceu com o abraço envolvente que rodeou o seu corpo. Levantou o rosto e recebeu o beijo que aguardava os seus lábios. Quis pronunciar algo, mas a voz teimava em não sair. Aninhou-se no repouso daquele abraço. Sentiu o sabor de uma lágrima salgada. Tinha caido dentro de si. Era a última. Adormeceu.

terça-feira, novembro 06, 2007

Da minha Vida

Dou-te a mão e deixo-me ficar, deitada sobre a humidade macia e amarela das folhas de Outono que nos ensopam as roupas. Seguimos com o olhar a trajectória de um pássaro azul e preto que atravessa os ramos das árvores que se despiram para nos receber, neste festim erótico de luz que se esconde, quando parecemos alcançá-la; de calor que emana das cores que nos abraçam e nos atiram ao chão, pra abraçar-nos ainda com mais força. Nos ouvidos, o silêncio. No olhar, o espectáculo da Vida antes da vida, aquela em que ainda não ousámos penetrar. Contemplá-la assim, virgem, pura, verdadeira , é sermos parte dela, é sentir a força das raízes que nos prendem à origem de tudo. E ser feliz.
Amar-te. Nada mais.
Voltamos a dar a mão. Já não somos um, mas dois. Já não és aquele que foi, há instantes, mas aquele que sempre foste. Mudamos de cenário e olhamos em frente. Um écrã de cinema. Imagens a preto-e-branco. Legendas a branco e preto. Não percebemos nada. Mas o nosso encontro vale a pena. Apetece-me sair desta sala, voltar a correr a teu lado e a chorar no teu ombro, mas sei que é preciso ver o filme até ao fim. Compreendê-lo, talvez. Mas aguentar até ao seu desfecho. Depois, talvez possa voltar a vestir o meu vestido de bombazina azul e correr atrás de ti, vestido da mesma cor e do mesmo tecido. Diminuir o teu nome e acariciar-te o rosto quando a gata Lobito voltar a fugir. Contar lagartixas mortas à pedrada e ganhar-te em bravura. Sentar-me a teu lado a descascar feijão ou simplesmente a ver-te andar de bicicleta, sem rodinhas. Abraçar-te quando o cheiro das flores voltar a confundir-se com o cheiro da morte. Depois, quero sorrir-te e sair desta sala também. Deixar este filme guardado numa prateleira do sótão e revê-lo sempre que a janela se abrir para um girassol entrar, no bico de um pássaro chamado Saudade.

quinta-feira, setembro 27, 2007

Parabéns Mana!

Chegamos sem rumo e pouco a pouco vamos encontrando caminhos, nem sempre optamos pelas estradas principais e caminhamos por atalhos poeirentos que nos levam a tantos cruzamentos.

Sabes que é nos cruzamentos que a energia se acumula?

Tantas decisões, tantos caminhos a seguir. Nunca sabermos se é o correcto mas mesmo assim temos de juntar todas as forças e optar por um que nos levará a outro rumo, a outro cruzamento, e, quem sabe, a outro destino...


Saber velejar por cima das ondas quando elas nos tentam derrubar sem qualquer sentido é algo que só pertence aos audazes. E tu pertences a esse restrito circulo...

Sabes que há um provérbio que diz assim: "A sorte protege os audazes".

Felizmente (ou infelizmente) sabemos que nem só de sorte se vive, que é necessário muito mais quando as lágrimas insistem em correr e o coração dói de tão apertado... É necessária aquela força que te conheço desde sempre... É necessária aquela vontade de lutar que insiste em se entranhar em ti e circular lado-a-lado com o sangue que te corre nas veias...

Parabéns!

Hoje comemoras uma data memorável... Nem mais nem menos que um quarto de século. Aquela idade mítica em que pensamos já ter feito um pouco de tudo e na qual temos a certeza ainda não termos feito muito de nada... Assim será sempre a Vida. Uma renovação diária que nos custa absorver e admitir... Sempre um passo à frente de onde queremos estar, sempre demasiado próximo e ao mesmo tempo tão longe...

Parabéns!

Pela pessoa que és.

(fica o som de um sorriso e o brilho de uma lágrima)


Que existam sempre laços para lá do tempo e do espaço. Que existam sempre Girassóis em todas as janelas. Que permaneçam sempre em flor e as janelas sempre abertas para deixar entrar a Luz...

sexta-feira, junho 08, 2007

Precisões

Dizem os entendidos que a aldeia (Azinhaga) nasceu e cresceu ao longo de uma vereda, de uma azinhaga, termo que vem de uma palavra árabe, as-zinaik, "rua estreita", o que em sentido literal não poderia ter sido naqueles começos, pois uma rua, seja estreita, seja larga, será sempre uma rua, ao passo que uma vereda nunca será mais que um atalho, um desvio para chegar mais depressa aonde se pretende, e em geral sem outro futuro nem desmedidas ambições de distância.

retirado do livro As Pequenas Mémórias, de José Saramago

quarta-feira, junho 06, 2007

Feliz Aniversário, MANO!


Bruxelas, 6 de Junho de 2007


Mano,

Porque podem existir girassóis em todas as janelas… Basta querermos e acreditarmos…

Espero que passes um dia Feliz, como só tu mereces… hoje e sempre… Feliz Aniversário !


Mana


Sempre Unidos…

sábado, junho 02, 2007

Don't give up

By: Josh Groban: just listen and see it !!

Don't give up You are Loved


Don't give up
It's just the weight of the world
When your heart's heavy
I...I will lift it for you

Don't give up
Because you want to be heard
If silence keeps youI...
I will break it for you

Everybody wants to be understood
Well, I can hear you
Everybody wants to be loved
Don't give up
Because you are loved

Don't give up
It's just the hurt that you hide
When you're lost inside
I'll be there to find you
Don't give up

Because you want to burn bright
If darkness blinds you
I...I will shine to guide you
Everybody wants to be understood
Well, I can hear you

Everybody wants to be loved
Don't give up
Because you are loved
You Are Loved...

quarta-feira, maio 23, 2007

Cristãos

No ano 200, uma carta a Diogneto, de um autor anónimo, falava assim dos Cristãos:

Os cristãos não são diferentes dos outros homens nem pelo território, nem pela língua, nem pelo modo de viver.Eles não moram numa cidade exclusivamente sua, não usam uma língua própria, nem levam um género de vida especial.A sua doutrina não é conquista do pensamento e do esforço dos homens estudiosos, nem professam, como fazem alguns, um sistema filosófico humano.Moram em cidades gregas ou bárbaras, como coube em sorte a cada um, e, adaptando-se aos costumes de vestir, de comer e em todo o resto de vida, dão exemplo de uma forma de vida social maravilhosa que, segundo todos confessam, é inacreditável.Habitam na respectiva pátria, mas como estrangeiros; participam em todas as honras como cidadãos e suportam tudo como estrangeiros. (...)Todas as terras estrangeiras são uma pátria para eles e todas as pátrias são terras estrangeiras...Vivem da carne, mas não são segundo a carne. Moram na terra, mas são cidadãos do céu. Obedecem às leis estabelecidas, mas através do seu teor de vida superam as leis.Amam a todos e por todos são perseguidos. Não os conhecem e condenam-nos; dão-lhes a morte e eles recebem a vida.São mendigos e enriquecem a muitos; encontram-se privados de tudo e tudo têm em abundância.São desprezados e no desprezo encontram glória; difamam-nos e é reconhecida a sua inocência.São injuriados e abençoam; são tratados de modo insolente e eles tratam com reverência.Fazem o bem e são punidos como malfeitores; e, embora punidos, alegram-se quase como se lhes dessem a vida.Mas os que odeiam não sabem dizer o motivo do seu ódio.Numa palavra, os cristãos são no mundo o que a alma é no corpo.
E hoje, como nos descrevem?

terça-feira, maio 22, 2007

Parabéns...

Lembro-me de um dia em que apontámos o céu e estavas lá, reluzente, brilhando para nós e por nós.
Sorrimos meio acanhados, talvez envergonhados por tão poucas vezes olharmos o céu daquela forma, por tão poucas vezes termos tanta certeza da tua presença...
Não sei...
Crianças, de uma inocência ainda não perdida... E os olhos que teimam em ficar brilhantes, inundados de lágrimas que insistem em não cair... Porque a inocência vai-se perdendo e há vergonha de derramar uma lágrima na presença dos demais...

Hoje o céu está mais iluminado, são duas as estrelas que brilham por nós e para nós...
As memórias que não se apagam, os tempos que ainda despoletam um sorriso mais luminoso, porque só os bons momentos merecem ser recordados...

Paz. Promete-me que estás em Paz.

Que existam sempre Girassóis em todas as janelas.

Parabéns Mã.

Parabéns, querida Estrelinha!

Para ti, Estrelinha:

BALADA DA NEVE

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria... .
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza .
e cai no meu coração.


Já esqueci algumas palavras, mas agora sei outras... Sei que continuas a escutá-las, com a infinita candura que é a tua. Sei que continuas a brilhar onde o caminho parece mais negro e a velar, discreta, quando o sol reaparece e se apodera do céu. Continuo até imaginar-te a falar da menina, aos anjos que te acompanham agora... E a elogiar o menino, com o teu sorriso, tão único, tão teu... E a decorar o céu com cores alegres até altas horas da noite, a colar-lhe nuvens e pássaros de vários tamanhos, a desenhar com cuidado as linhas do arco-íris.... Porque nunca te cansaste da beleza e da rectidão. Porque não saberias descansar, sem que a perfeição reinasse à tua volta. Por isso, sofreste aqui. Por isso, és Feliz agora.
Com um girassol na minha janela...




Verde

Tenho aqui 5 cores do arco-íris para ti. As outras 2 é para as procurarmos juntos.

E naquela terra seca, nua, queimada pelo sol e pelo cansaço, caiu uma gota de chuva.

Queres falar?

E uma pincelada de verde veio desequilibrar a harmonia monocromática aparente.

Damos um passeio? Apetece-me dar-te a mão.

E a Vida recomeçou. E seguiram-se outras pinceladas. E outras gotas de chuva encharcaram a terra. E veio o Inverno. Depois a Primavera.

terça-feira, maio 08, 2007

Ao som do bater do coração...


Oração

Saber-Te tão perto, sentir-Te no abraço, no calor, na confiança. Saber que me Amas, saber que estás aqui e que nunca estive só, pois Tu és a minha Mãe, o meu Pai, o meu Colo. Saber que as lágrimas que agora caem não chegarão a tocar o chão que piso, pois já estavas a enxugá-las, mesmo antes de começarem a cair. Sentir-me segura, quando estou conTigo, pois nada do que me dás é em vão. Sentir o cérebro a explodir de questões, mas deixar-me ficar na Tua paz. Oh, Senhor, obrigada pelo dia em que Te conheci. Obrigada sobretudo pelo dia em que Te quis. Temos passado momentos maravilhosos juntos, num diálogo Amigo, sincero, aberto, como nunca tive com ninguém. Sem Ti, já nem conseguiria continuar o caminho, pois agora sei que sózinha não sou nada. Fica hoje aqui comigo, Senhor, como estás sempre, mas permite-me sentir a Tua presença e estar conTigo também. Sem Ti, não sou capaz. Só Tu consegues fazer-me sorrir, quando o céu parece desabar sobre mim, pois só Tu és o Senhor desse céu e criaste-o para as nuvens, mas também para o sol. Confio em Ti, Senhor.

segunda-feira, maio 07, 2007

Uma menina relida

Reli alguns momentos passados... Atardei-me na página escrita por ti sobre uma menina... há mais de um ano... Um passarinho pousou junto à minha janela, sobre o telhado molhado da chuva que voltou a beijar a terra. Cantou. E a sua melodia tornou-se palco desta leitura. Esbocei um sorriso e senti o coração a receber esta lufada de saborosa manhã.

domingo, maio 06, 2007

Eugénio

Se pudesse, pegava-te na mão e levava-te a ver o mar. Sentávamo-nos na areia e eu contava-te histórias de navegadores, caravelas que iam e vinham, astrolábios e rosas-dos-ventos. Falava-te de constelações e de reis, de rotas e de batalhas. Histórias de outros tempos que se tornavam a tua história. E tu voltavas a acreditar. No brilho dos teus olhos, renascia a criança que és e era a tua vez de pegares na minha mão e me levares a conhecer-te. Mostravas-me orgulhoso o casebre sem passado, onde a tua existência apagada reencontrava um pouco de calor a cada regresso a pé, de um percurso que parecia infindável, sob o tórrido calor de um Verão que nunca acaba. Vestias os calçõezinhos azuis e a camisa branca e, de caderno e lápis na mão, fingias que ías para a escola. Eu imaginava-te sentado sobre o banco de madeira tosca, a escutar a voz suave de uma professora chamada Maria. E imaginava a professora Maria, que ainda acreditava também, a enxugar as lágrimas, quando chegava a hora do recreio. Tu continuavas a empurrar-me para dentro do teu mundo, com o sorriso orgulhoso de quem ainda não tem vergonha, de quem ainda não conhece o significado de muitas palavras, como justiça, liberdade ou esperança. E eu seguia-te, visitava o campo cultivado com a ajuda das tuas mãos pequeninas e aprendia a conhecer todos os esconderijos de uma infância sem fadas, balancés ou jogos de futebol, de mão dada com o pai. Já não tinhas pai. Nem mãe. Menino sem passado, sem futuro, de presente desenhado nas cantigas que passavam de boca em boca, nos calos das mãos, nos pés feridos. E eu aprendia a sorrir, apenas por te ver sorrir. Porque tu eras a razão para continuar a viver. À noite, quando te contava mais uma história, não querias adormecer. Nas minhas palavras depositavas os teus sonhos e eu também não queria deixar-te adormecer. Queria contemplar para sempre a inocência do teu ser, quando o teu rosto se abandonava às carícias das minhas mãos. E queria esquecer este mundo, pois a perfeição estava ali, longe da mentira, da decepção, da agonia. Tu eras o meu menino e ambos escrevíamos uma nova história juntos. As caravelas não voltariam àquela terra longínqua, mas eu já não queria partir. Queria apenas ver-te chegar da escola e acolher-te na tua nova casa: os meus braços estendidos para te abraçar.

sábado, maio 05, 2007

Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança. Mano.

sexta-feira, maio 04, 2007

Tranquilidade

E um dia, veio a Vida bater-lhe à porta. Trazia um ramo de flores amarelas e uma borboleta no ombro. Com um vestido cor de arco-íris, vinha buscá-lo, decidida a fazê-lo feliz. Bateu à porta. Nem um ruído, vindo do interior. Voltou a bater, desta vez com mais força. Sorriu e aguardou. Nada. Aguardou mais um pouco. Olhou ao seu redor e deixou a brisa suave daquela tarde de Primavera tocar-lhe os longos cabelos pretos e trazer-lhe memórias de outrora. Recordou danças à chuva, chuvas de estrelas, passeios na montanha. Sempre a seu lado.
Deixou as margaridas junto à porta e partiu. Ele ficou a ouvi-la afastar-se e voltou a enterrar a cabeça na superfície macia da almofada. Estava seguro. Não voltaria a ver o mar, a ouvir os pássaros ou a sujar-se de gelado. Não voltaria a correr na praia ou a dar de comer aos pombos, naquela praça cheia de crianças sorridentes. Não voltaria a passar horas ao telefone, escoando banalidades ou partilhando sonhos impossíveis. Não voltaria a sentir-lhe o perfume de alfazema, nem a acariciar o seu rosto. Não voltaria a entrançar-lhe o cabelo nem a colher margaridas, a seu lado. Não voltaria a ser feliz. Mas, pelo menos, estava seguro. Ali, não havia dúvidas, incertezas, loucuras. Ali, nada poderia atingi-lo. As preocupações não existiam, o tempo deixara de passar. A tranquilidade era uma amante mais compreensiva, sem impulsos ou exigências. Era assim que queria ficar: pálido, quieto, morto.

quarta-feira, abril 25, 2007

mundosemparalelo

-Curioso o jogo de palavras, muito curioso... Mundos em Paralelo ou mundosemparalelo... Já lá vai um ano e picos que ouvi este comentário. Sorri. Não fazia sentido. Eram dois mundos destinados a manter-se em paralelo, a abraçarem-se por vezes, mas a caminhar na mesma direcção. Em rostos diferentes, o mesmo sorriso. Em memórias separadas, as mesmas imagens, os mesmos sons, os mesmos pedidos de ajuda, os mesmos gritos, as mesmas lágrimas, as mesmas palavras loucas. Os alicerces da Casa dos sonhos começaram a formar-se: afinal, existirá força mais poderosa do que a do coração? Deitava-me a observar o céu e antevia as janelas com postigos em madeira, a porta azul, o caminho de pedras, entre flores coloridas. Abria a porta e ficava a observar-nos, inclinados sobre a mesa onde os projectos se tornavam realidade, antes mesmo de serem concretizados. O seu nome? Sempre o mesmo: Sonho. Não importava de quem. Apenas uma condição: que tivesse sido sonhado.
Há poucos dias, foi uma criança de 10 anos que me esclareceu: "Vês? Se não fazes as linhas paralelas com régua e esquadro, elas vão juntar-se ou afastar-se lá ao fundo."
Então, foi isso. Faltou o esquadro.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

O mais belo acto de fé é o que sai dos teus lábios em plena obscuridade, no meio dos sacrifícios, dos sofrimentos, o esforço supremo de uma vontade firme em fazer o bem. Como um raio, este acto de fé dissipa as trevas da tua alma; no meio dos relâmpagos da tempestade, ela eleva-te e conduz-te a Deus.A fé viva, a certeza inquebrantável e a adesão incondicional à vontade do Senhor, eis a luz que alumia os passos do povo de Deus no deserto. É esta mesma luz que resplandece a cada instante em todo o espírito agradável ao Pai. Foi também esta luz que conduziu os magos e os fez adorar o Messias recém-nascido. É a estrela profetizada por Balaão (Nm 24,17), o archote que guia os passos de todo o homem que procura Deus.Ora esta luz, esta estrela, este archote, são igualmente o que ilumina a tua alma, o que dirige os teus passos para te impedir de vacilar, o que fortifica o teu espírito no amor de Deus. Tu não a vês, tu não a compreendes, mas isso não é necessário. Tu só verás trevas, certamente não as dos filhos da perdição, mas sim as que rodeiam o Sol eterno. Tem por certo que esse Sol resplandece na tua alma; o profeta do Senhor cantou a seu respeito: “na tua luz é que vemos a luz” (SL 36,10).
Santo (Padre) Pio de Pietrelcina (1887-1968), capuchinho

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Simplicidades

quarta-feira, janeiro 03, 2007

A roda gigante

- "Olha a roda gigante!" - exclamou o menino, ainda a arfar. Faces rosadas, algodão doce numa mão e sonhos na outra, ele saltitava de carrossel em carrossel, soltava gritinhos contentes e abraçava o pai sempre que regressava de mais uma viagem às estrelas, a uma arena de circo, a uma casa assombrada... Não sentia o cansaço nem a desilusão. Sacudia o pó da estrada, depois de uma longa caminhada a cavalo e lançava-se com o mesmo entusiasmo numa corrida de carros. E era assim todos os anos. Até à roda gigante.
Não tinha a estatura necessária para poder aventurar-se nela, mas gostava de fitá-la e imaginar-se a tocar nas nuvens com a ponta dos dedos e a dizer adeus aos anjos que se escondiam em cima delas. Às vezes, conseguia ver a ponta do pé de um destes meninos alados e sorria, prometendo-lhe em silêncio que, um dia, ainda havia de brincar com ele. O pai abraçava-o, chamando-o à realidade:
-"E o mundo gira, como a roda gigante. E vamos todos lá dentro, sufocados pela altitude, mas maravilhados com a beleza deste céu, onde nos é possível tocar com a ponta do nariz de tempos a tempos. Respiramos o ar puro, brincamos com os anjos, atiramos bolas de nuvem uns aos outros, escorregamos nos raios de sol. Depois, voltamos a descer, a bordo da roda gigante. Não faz mal, pois há sempre um regresso. Mais uma subida, mais uma volta, mais um rasgo de felicidade..."

terça-feira, novembro 14, 2006

À espera do comboio

Sentou-se na paragem onde paravam os comboios sem intenção de apanhar nenhum. Apenas procurava um lugar tranquilo e sossegado para poder pensar.
Uma estação sombria e espelhada parecia-lhe o lugar ideal, há tanto tempo que não se via reflectido num espelho. Quase que conseguia ver através de si e escutar a Alma a sussurrar-lhe ao ouvido. Procurar os pensamentos era algo novo, eles que sempre lhe surgiam aos milhares a cada fracção de segundo agora tinham-se evaporado. Talvez intimidados pela cara já cansada reflectida no espelho escurecido.
Observava a mesma expressão de sempre, os olhos vermelhos e os lábios secos. O olhar vazio e vago que se habituara a ter tinha ficado para sempre. E ali, sozinho e meio perdido sem os seus pensamentos não conseguia acreditar que fosse essa a sua imagem reflectida.
A realidade quando se lembra de nos brindar na sua forma mais pura é demasiadamente cruél!
Não conseguia balbuciar uma só palavra, sentia-se louco por falar consigo próprio e procurava à sua volta alguém com quem falar. Precisava tanto de falar, mas temia que um só som não saisse da sua boca se encontrasse alguém e parou de procurar. Sentia-se sujo e tão desolado que se tivesse coragem desapareceria no próximo comboio sem destino certo. A coragem que lhe faltava sempre continuava com ele.
Foi o único pensamento que conseguiu ter e soltou uma gargalhada que ecoou nas paredes frias da estação.
Quase que sentiu o mundo a rir-se dele.
Nada mais lhe restava, nada mais fazia sentido, apenas o vazio a invadir-lhe o corpo e a Alma, apenas o frio da estação a infiltrar-se nos ossos causando-lhe ainda mais desconforto...
Assim ficou durante algumas horas e nesse tempo que lhe pareceu uma eternidade nenhum comboio passou, nenhuma pessoa se aproximou, como se o mundo lhe tivesse virado as costas sem justificação...
Enfrentou finalmente o espelho sombrio e procurou-se no fundo do olhar vazio...
Descobriu uma réstia de luz quase perdida e... (...)

domingo, outubro 22, 2006

Domingo

6h45m. O quarto continua mergulhado na escuridão, mas eu sei que é domingo. Sei que a Felicidade está à minha espera e não posso atrasar-me. Toco a textura aveludada da alcatifa com os pés descalços e ligo o aquecedor. Sabe-me bem voltar a entrar no quarto, depois deste ser aquecido. Desço as escadas, ainda em pijama, pois tenho o hábito de dizer que não faço nada sem comer primeiro. Hábito, vício, seja o que for. Sabe-me bem saborear o pão com banana e o iogurte com cereais, ainda com o rosto por lavar. É como se desejasse prolongar a serenidade da noite, sem vê-la dissipar-se bruscamente na água fria do lavatório. Só começa a amanhecer quando sinto o café a queimar-me a garganta, de preferência, já com um livro ou uma revista como companhia.
Hoje, não foi diferente. Voltei a subir as escadas e deixei-me invadir pelo calor aconchegante do quarto. Outro dos pequenos prazeres da manhã é percorrer a casa toda descalça, para depois regressar ao quarto, ainda quente da noite ou já aquecido, nestes dias de Inverno precoce. Pus a água a correr e despi-me. Senti a água quente a acariciar-me o corpo e deixei-a levar as réstias daquela que eu tinha sido, até este banho, até esta manhã. Porque somos sempre diferentes, quando acordamos. E eu estava a acordar.
Vesti-me, junto ao aquecedor. Preparei a mochila, maquilhei-me (porque hoje é Domingo e apetecia-me) e saí. Ruas cortadas. A paragem do autocarro não estava ali, mas os meus amigos do Domingo de manhã informaram-me que tinha sido desviada por causa da feira (brocante, se quero ser precisa, apesar da imprecisão se manter). Apanhei o autocarro e sentei-me. Sorri. Era Domingo.
A Felicidade já me esperava. Estava um pouco adoentada (curioso!), mas sorridente:
-"Dá-me o teu dedo. Tenho um presente para ti. Este anel tem 50 anos e sai das minhas mãos para as tuas. Estima-o como eu fiz até aqui, porque eu só conseguiria oferecê-lo a alguém muito especial". Não soube o que dizer. Balbuciei um Obrigada idiota e dei-lhe um beijo. Porque será que nunca sei o que dizer, nestes momentos? Acho que perdi o hábito de agradecer, porque perdi o habito de considerar que mereço algo.
Chegámos ao destino. Café português. Sabe melhor ainda. Reservámos Cozido à Portuguesa para o almoço. Porque hoje é Domingo.
Deixei a Felicidade a encontrar-se, a reencontrar-se, como acontece todos os Domingos, e subi para encontrar-me com Deus. É a minha hora. É o meu momento. É o nosso encontro. Sou assídua e pontual, porque Ele está sempre à minha espera e eu preciso da Sua força. Para mais uma Missão. Para mais um Domingo, para mais uma semana. Li, sublinhei, fui à Fonte. Preparei-me para a catequese, com a Sua ajuda. Deixei-O entrar no meu coração, através da música, das Palavras, da Oração. E deixei-O ficar. E é tão bom assim. E é sempre tão bom assim.
Encontro-me com adolescentes e crianças. É tão difícil ser-se uma e várias ao mesmo tempo! Mas, tão possível, tão gratificante, tão enriquecedor! A Felicidade já está junto a mim. Olha as crianças nos olhos e faz como só ela sabe fazer, como só ela pode fazer. Eu aprendo. Em silêncio.
A Missa: a imagem de Nossa Senhora recebeu uma nova coroa. Cantou-se a Maria e eu senti que levantava os pés do chão e voava, a uma velocidade alucinante, e me encontrava outra vez em frente à televisão, com um lenço branco na mão, a acenar. E vi-te, sentado a meu lado. E revi as suas lágrimas nas minhas, ao receber a notícia. E voltei a ouvir as suas palavras: "Estava ensinar os meninos... estavam com um lencinho branco... e ele todo queimado, no hospital... à mesma hora."
Preparações, encontros, união, comunidade.
O cozido à Portuguesa. A Felicidade continua a fazer-me companhia. Eu ofereço-lhe o meu colo e recebo as suas mágoas no meu ombro, mas vejo-a sorrir e só isso já chegava para fazer deste Domingo um tesouro.
Deixei-a finalmente partir. Vozes familiares ao telefone e saí para a dança. Liberto-me. Chego mais perto de mim e sinto que renasci. O ritmo quente da Salsa invade-me o espírito, que se move sózinho. A felicidade, afinal, continua ali. Sorrio, deixo o corpo ouvir a música, sem qualquer impedimento. Eu e a música somos uma só. A Vida aconteceu ali. Mais uma vez.
Volto a partir. Desta vez, jantar com amigos. Amizade, carinho, muito amor. O dia chega ao fim.
Acabei de ligar o aquecedor. E se amanhã voltasse a ser domingo?
(A banalidade desta descrição não acaba aqui. Todos os dias são banais e por isso é que são valiosos, pois continuo a acreditar, ao abrir os olhos, pela manhã, que vale a pena voltar a acordar. E voltar a ser banal, nem que seja só para voltar a vêr os mesmos rostos, repetir os mesmos gestos, comer o meu pão com banana e ligar o aquecedor. Vale a pena, porque é uma oportunidade que só me é dada a mim e apenas uma vez. É com base nesta partilha de banalidades, afinal, que se constrói a humanidade. E é tão bom ser-se humano! ;)
"Todos os dias Deus nos dá um momento em que é possível mudar tudo que nos deixa infelizes. O instante mágico é o momento em que um 'sim' ou um 'não' pode mudar toda a nossa existência."
Paulo Coelho - Na Margem do Rio Piedra Eu Sentei e Chorei

quinta-feira, outubro 19, 2006

faca faceta fachada fácil facto factor fadiga fado faísca falacioso falar falcão falecer falha falsear falsificar falso falta família fanatismo fantasia fantasma fantoche faquir fardo farol farpa farrapo farsa farto fascínio fase fastidioso fatalidade fatídico fatiga fátuo febre fechadura fedor feiticeira feliz fêmea feminino fender ferido feroz ferrador ferrão ferro ferrugem fertilidade ferver festa fiabilidade fibra ficar ficção fictício fidalgo fidelidade figura filme filosofia filtro fim fingir fintar firmamento físico fixador flagelar flecha flor flutuante focalizar fogo folhear fomentar fonte força forçar forjar forma fossa fotossensibilidade foz fracasso fraccionar fracturar fragmento francesinha franco frangalho franqueza fraudulento fialdade frigorífico frivolidade frugalidade fugitivo fulminar fumaça fumegante fundamentalismo furar furtar futuro fuzilar

Ange parle-moi

L'ange parle-moi !
Le plus vaste des coeurs se brise.
Parle-moi !
L'hiver pourvu qu'on le cultive.
Dans cette pièce,
Nul semble respirer,
Ici, c'est un...
Abri qui m'a été donné !

Don't let me die, l'ange
Don't let me die, l'archange
Tu sais le temps qu'il faut pour apaiser
Nos peines
Don't let me die,
Et dis encore je t'aime

Parle-moi !
Pourquoi cette couleur trompeuse ?
Ange, parle-moi !
De voir qu'en lui, ils étaient deux.
Je sais ce que...
Mentir veut dire pour moi,
Tu sais,Dieu a rompu
Son pacte avec cet étranger!

Parle-moi, parle-moi
Dis-moi si tu es là ?
Ange, parle-moi, parle-moi
Dis-moi si tu es là ?

Mylène Farmer

terça-feira, outubro 17, 2006

O instante seguinte

Entraste com a ligeireza de uma brisa de Verão e sorriste. Senti um arrepio a percorrer-me o corpo e estendi-te os braços. Os meus dedos tocaram a superfície fria e indiferente do muro transparente que nos separava. O teu olhar continuava perdido algures, numa distância que dificilmente conseguia percorrer. Procurei desesperadamente uma passagem, cerrei os punhos e bati violentamente na única fronteira que nos separava e senti o calor do sangue a misturar-se com a frieza cruel daquela parede. Não podia ser. Estavas ali, perfeito. Voltaste a sorrir e olhaste-me nos olhos. Deixaste o horizonte distante, ao qual me tinhas habituado e viste-me. Senti-me nua. Senti-me tua, mais do que nunca. Partículas de sonhos, desejos, anseios foram expelidas por um coração repleto de alegria, um coração cansado que ganhou, no instante em que o teu olhar me penetrou, a energia infinita de um Amor que ansiava desde sempre poder falar, exprimir-se, libertar-se. Fiquei desesperada, pois queria tocar-te, queria unir-me a ti naquele momento, sem a dúvida do momento seguinte, sem qualquer questão, sem qualquer resposta. Caí de joelhos no chão e chorei. Chorei e gritei. Não compreendia porque tinha de viver sempre sem ti, não queria compreender, queria apenas Amar. Queria apenas ser Feliz. Os meus prantos eram-me devolvidos pela solidão que me rodeava e esqueci-me de ti. Só queria afastar a minha tristeza e respirar. Respirar e ser Feliz. Ser Feliz. Procurei-te, minutos depois, atrás do vidro. Vi-te voltar as costas e partir. Transformei-me num misto de sal, suor e sangue. O meu rosto desfigurado continuava a pronunciar o teu nome, mas o meu espírito já não estava ali. Tinha partido com a utopia de uma felicidade que jamais existira, a não ser no egoísmo deste amor que tão poucas vezes havia sido Amor incondicional, Amor, Amor. Ficava apenas o teu olhar, única verdade daquela tarde assassina, no palco da qual a incompreensão tinha sido a actriz principal.
Deixa-me compreender-te ainda, meu Amor. Compreender o silêncio do teu olhar, a raridade do teu sorriso, as lágrimas que escondias quando partias. Mostrar-te que já sei que tu existes, para além de qualquer barreira e que voltei a juntar as partículas que fizeste explodir e que quero oferecer-tas e que quero voltar a ver-te sorrir.
Sento-me junto ao mesmo muro de vidro, através do qual te vi olhar-me pela primeira vez, através do qual te vi partir, através do qual espero ver-te regressar. Espero que a força dos teus punhos venha juntar-se à dos meus e que esta barreira desapareça enfim... Porque te Amo e porque te conheço, enfim. Porque te Amo e porque te quero. Porque te Amo e porque acredito.
L'important c'est d'aimer pour tout donner. Pardonne-moi.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Regresso...

Umas tão poderosas e tão verdadeiras como a própria Vida, outras tão fugazes mas mesmo assim cheias de energia. Algumas mais suaves, esbatendo-se contra um fumo ténue que as embaraça, que nos embaraça... Verdes, castanhas, pretas... tantas e tão diversas...

Saber-lhes a importância é crucial, mesmo que muitas vezes elas fujam e percam-se em caminhos sombrios deixando-se levar por devaneios que nos confundem mas mesmo assim nos permitem voar... Não poderemos jamais tomá-las e domá-las como se fossem nossa propriedade...
Afinal têm vida própria e são tão instáveis como o próprio ser humano... Tantas vezes que se prendem em meios-tons ou em ecos surdos que não compreendemos, poucas são as alturas em que tentamos agarrar todos os seus sentidos e torná-los nossos tal é a vastidão do seu próprio génio...

Diversas são as vezes em que optamos por não as abraçar, tentando que elas fluam sem qualquer desígnio da nossa parte... Quantas vezes nos enganamos e deixamos que elas façam troça de nós com a sua relevância nos nossos instantes...

Percebê-las. Compreendê-las. Saborea-las. Amá-las. E porque não pintá-las?

Verdes, castanhas, pretas... e de novo azuis...

As palavras, claro!

sábado, outubro 14, 2006

Se eu fosse pequenina, hoje entraria numa bola daquelas que enfeitam os pinheiros de Natal, colorida, brilhante, mas discreta, daquelas que ficam atrás da árvore, apenas para que esta não fique despida, mas sem qualquer outra importância para a decoração natalícia. Deixáva-me lá ficar a chorar baixinho, enrolada como uma criança no ventre da mãe, a alimentar-me dos cânticos, dos odores natalícios, da energia positiva dos presentes que se vão multiplicando junto às agulhas afiadas do pinheirinho de Natal. De vez em quando, espreitaria as luzes acesas noite e dia, pois sei que teria medo de vêr a noite chegar, como hoje, neste momento, em que o sol já deixa o seu lugar ao frio cortante da noite, lá fora e aqui dentro, não da bola, mas do meu peito. Ah, pudera eu ser pequenina! Ah, se fosse sempre Natal! As lágrimas secariam um dia e eu ficaria dentro da bola a viver para sempre. Talvez não chegasse a sentir o gosto da felicidade, mas que importa? O gosto amargo da felicidade que parte é tão mais intenso, tão mais duradoiro, tão mais real! Tão melhor observar apenas os outros sorrisos e deixar-me ficar na minha bola, até esquecer que um dia nasci para ser humana. Talvez viesse a metamorfosear-me pela força do não-pensamento. Talvez me transformasse numa borboleta e apenas tivesse um dia de vida. Sairia da bola, mas apenas porque seria o melhor dia da minha vida, pois saberia que o dia seguinte não existiria. Seria o melhor dia da minha vida, pois teria a certeza que não teria que levantar-me de olhos inchados e encarar a luz, os outros olhares, a vida a esbofetear-me. Seria o melhor dia da minha vida, pois no dia seguinte não estarias lá, presente, mas de olhar perdido no vazio, a atirar-me a solidão à cara. Sem dúvida, seria o dia feliz!
Quem dera não houvesse amanhã! E pudesse quebrar hoje, ao fechar os olhos, a corrente que me leva sempre e mais uma vez ao desespero, ao grito abafado, à falta de abraço, à falta de Tudo. Quem dera não ter de ser eu, poder ser outra, outro corpo, outra alma, outra razão, outro coração. Quem dera poder sentir-me boneca de porcelana e não boneca de trapos. Quem dera fosse o mundo do tamanho da bola do pinheiro, sem mais nada que as estrelas a deixarem-se derreter para dentro da escuridão desprovida de qualquer sentido. Quem dera não existisse filosofia nem Amor. Quem dera o vazio se materializasse agora e me levasse efectivamente com ele, pondo um termo a este jogo do rato e do gato que não me deixa dormir nem estar acordada, desperta, atenta.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Adeus

E eu não sabia o que ia acontecer, mas o coração insistia em recordar-me que estava ali, com uma energia rara, naquele dia. Aguardei ansiosamente o bater da porta e a viagem (mais uma!). Cheguei. Houve uma breve troca de palavras e uma t-shirt preta que se colou à memória, para juntar-se àqueles pequenos nadas a quem caberá um dia contar a história. Outro monossílabo encerrou o tempo e a viagem. Regresso a casa. Noite em claro. Malditas dores de garganta, que parecem trepar à cabeça e atirar-se lá de cima, deixando no corpo uma sensação de fraqueza constante. Amanheceu. Voltou a amanhecer mais tarde, quando de novo acordei. E lá estavas tu outra vez. A partir daí, nunca mais deixaste de estar. E eu habituei-me à tua presença. E quis-te para sempre. E quero-te para sempre. E depois Amei-te. Amei-te no olhar, no sorriso, na palavra calada. Amei-te na t-shirt preta, desde o pirmeiro instante e ainda mais quando a tive na mão. Amei-te no beijo, nos passeios junto à foz, nas mensagens, no coração a bater junto ao meu. Amei-te nessa tua fuga diária, que deixa sempre um rasto do teu perfume e do teu mistério; Amei-te na tua teimosia, no teu carinho, no teu silêncio de compreensão. Amei-te na tua simples existência; Amei-te no teu passado, no teu presente; depois Amei-te no nosso presente e quis Amar-te no nosso futuro também.
Senti um arrepio e cobri-me melhor. O frio que fazia lá fora acabara por deixar-me numa espécie de sonolência consciente, mas voltei a vislumbrar o teu rosto. Voltei a sonhar e lá estavas tu, mas desta vez sem a t-shirt preta. Dizias-me adeus, mas não mexias os lábios. As nosssas lágrimas confundiam-se e uma nuvem espessa de fumo envolvia-nos, impedindo o reconhecimento mútuo. Eu já não sabia quem era. Tu não sabias quem eras. Passado? O passado já não existia, pois tinha-se diluído nos fiapos de fumo que nos arrancavam pensamentos, sentimentos, memórias. A certeza, que tinha caminhado tantas vezes de mãos dadas connosco, abandonava-nos dolorosamente. O Amor? Esse via-o a observar-nos de longe, risonho, à espera de um passo na sua direcção, mas não sem menos dúvidas que nós.
Acordei sobressaltada. A minha respiração ofegante, rodeada do eco da noite, confirmava-me momentaneamente que tudo não passara de um pesadelo. No entanto, percebi no momento seguinte que, efectivamente, a minha respiração já só estava rodeada do eco da noite. E a tua? Porque não a escutava também? Apressei-me a acender a luz e lá estava a almofada, ainda impregnada do teu cheiro, mas já tão só quanto eu. E assim o pesadelo se fez realidade e a realidade, pesadelo.
De repente, ouvi um ruído do outro lado da porta. Voltei-me e pude observar o fumo espesso que penetrava no meu quarto, vindo de todos os cantos, da janela, das paredes, do tecto, do chão...

Viagens

Tantas viagens diárias que faço dentro de mim. No ir e no regressar, há o caminho que me deixa assim, perdida em momentos que não existiram, em palavras que não compreendi, noutras que não pronunciei. Cada viagem é uma oportunidade de não regressar. Uma oportunidade raramente aproveitada. Por isso, deito-me e fico a ouvir o José Cid e roubo-lhe as palavras: "Tu foste o sonho e eu o sonhador..." Enquanto vou e venho, deixo-o falar por mim. Há viagens que incluem outras viagens, outros viajantes que vão e vêm e se cruzam comigo, falam-me de sonhos, de amor e de comboios, mas que partem... partem sempre e eu volto a ficar só. E insisto em voltar a ouvir as mesmas melodias, como para recordar-me que estou triste e que preciso de chorar. Como que para esvaziar-me do veneno da incompreensão que deixei que me injectasse a distracção, quando já me julgava imune às incertezas das portas que se abrem e fecham constantemente à minha volta. Afinal, não estava e preciso de libertar-me desta droga, voltar a conseguir respirar e erguer as pálpebras, sem que o ardor do sal me volte a queimar a visão. Quero vêr e não limitar-me a olhar, assim, aqui sentada, sem obter qualquer resposta destas paredes que me cercam. Têm sido viagens intermináveis, que me deixaram exausta, mas sem possibilidade de descanso. O peso da mágoa veio depositar-se nos meus ombros e deixou-se ficar, paralisando-me todos os membros do corpo, inebriando-me a razão e empurrando para longe a minha alma. Desprovida de qualquer arma de defesa, limito-me a aguardar que se canse e parta. Enquanto isso não acontece, vou viajando, cega e de leve sorriso no rosto. Talvez o sol, que brilha lá fora, venha visitar-me mais tarde e até aceite acompanhar-me numa viagem tardia. Talvez volte a sorrir, de sorriso e olhos abertos.

quinta-feira, setembro 28, 2006

Aniversário s

Através da janela, alguns raios de sol anunciaram-me que o dia seria luminoso. Coisa rara, motivo para saltar da cama e abraçar a abençoada anunciação. Mas, não me apetecia. O corpo doía-me, porque tinha a alma prestes a explodir de dor. Os meus olhos brilhavam face à perspectiva de enfrentar mais um dia de solidão. Passei as mãos pelo cabelo ainda desgrenhado e senti as lagrimas a queimarem-me finalmente as faces, arrefecidas pelo contacto do dia que despontava. Não, definitivamente não queria acordar. Era o dia do meu aniversário e a vontade que assim não fosse era mais forte que a própria constatação de que nada havia a fazer. Na minha mente, imagens de gargalhadas e abraços de outrora, beijos e "Parabéns a você" a bailar nos lábios de quem mais amo; no meu peito, aquele desejo de arrancar o coração e esquecer, esquecer tudo.
Arrastei-me finalmente e pus-me a olhar para o écrã, mas nada. Nem uma palavra. Nada. Aquela vontade de esquecer persistia, mas tinha de afastá-la. Pus-me a arrumar, a limpar, a pôr tudo em ordem, na vã tentativa de ordenar sentimentos dentro de mim. No dia anterior, eu era alguém diferente, confiante, sorridente. Porque tive de adormecer? Porque me acordou o sol? Mensagens. Parabéns, Joyeux Anniversaire, etc, etc. Ecos de sons que não chegaram até mim. Não naquele momento. Primeiro telefonema. Voz triste do outro lado da linha, Tenho saudades tuas. Lágrimas, nó na garganta, palavras caladas deste lado. Sentei-me nas escadas e esperei que a tristeza passasse. Talvez se fosse embora, assim, de mansinho, como um ladrão furtivo que, tendo roubado tudo o que de valor existia, soubesse escapar-se entre as espessas trevas da noite.
A Bíblia, claro! Peguei na Bíblia e li o texto que me foi concedido. Não me lembro do que se tratava, mas senti que era como um bálsamo para a minha inquietação interior. Lembrei-me, então, como por "mero acaso", de que não estava só. Vesti-me e, ainda que com alguma dificuldade em encarar o espelho envelhecido, penteei-me, escovei os dentes e coloquei uns brincos cor-de-rosa. Sem vontade, mas afinal era o meu dia de anos, bolas!
Olhei para o relógio. Pedi ajuda. Ela chegou rapidamente, no reflexo de soberbos girassóis rodeados de rosas envaidecidas. Nem queria acreditar. Nunca tinha sentido a energia dos girassóis de tão perto. Eram verdadeiros girassóis, enfeitados de amarelo e preto! Era o sol que teimava em entrar na minha casa, nesse dia. Deixei de teimar em deixá-lo à porta e sorri. Amei-o e trouxe-o para dentro.
Depois, veio a voz do meu querido mano, do meu avôzinho. Mais lágrimas, mas desta vez de felicidade. Tomei um cappuccino e li um livro, numa esplanada aquecida, em Bruxelas. Voltei para casa. A minha família, afinal, não acaba na fronteira com Espanha. Aliás, descobri que a fronteira desapareceu, pois a amizade foi apagando, com a paciência de um anjo, a pouco e pouco, a linha que existia e que impedia a felicidade de passar. Agora, sei que também estou rodeada de família aqui. As raízes, essas, jamais abandonarão o solo onde se desenvolveram primeiro. Os ramos, porém, estendem-se cada vez mais longe. As flores começam a nascer. Começo, até, a colher alguns frutos, aqui e ali. Houve verdadeiros Parabéns a você. E alegria e palavras que nunca pensei escutar.
Depois, telefonemas que aqueceram o telemóvel e o meu coração. E dizer que tinha querido arrancá-lo de manhã... Vozes conhecidas, letras finalmente desenhadas no écrã, vida, Amor, alegria. Fim do dia. O sol já adormeceu, mas os girassóis ficaram a velar-me o sono e o sorriso no rosto...

quarta-feira, setembro 27, 2006

Parabéns!


Porque simplesmente pouca coisa faria sentido se este dia não fosse tão especial...

Porque acredito que um dia haverão Girassóis em todas as janelas e a Casa dos Sonhos se erguerá pintada em tons de azul e rosa...

Porque simplesmente o mundo é redondo (como um dia me disseste) e há uniões para além do tempo e do espaço...

Porque acredito em Almas Gémeas e em Mundos em Paralelo...

Porque simplesmente tu existes e vives dessa forma tão especial...

Parabéns Mana!

Sempre Unidos!

quarta-feira, setembro 13, 2006

Oito anos... Parabéns, Telma!



FELIZ ANIVERSÁRIO, BÉBÉ!!!!!!!!

Pedaços do tempo


Encostou-se a uma árvore e deixou-se deslizar até se sentar, viu os pescadores e os turistas a passar, no meio de uma civilização acelerada tinha conseguido parar, precisava acalmar pensamentos e sentimentos e ali, encostado aquela árvore desfolhada parecia-lhe o lugar ideal.
Procurou durante minutos que lhe pareceram horas a energia que necessitava, estava cansado, sentia-se vazio, quase inerte... Quando deixou de a procurar a energia veio ter com ele, invadiu-o lentamente e deixou-o com uma clareza incrivel, quase que se sentia tentado a explodir em gargalhadas. Durante mais de uma hora deixou-se ficar, equacionou levantar-se, passear, correr, gritar, tudo parecia estar ao seu alcance.
Passou pelo dia como uma flecha, sentia-se leve. Tão leve.
E foi pelo final desse mesmo dia que insistiu em partilhar essa energia... Em mostrar o que lhe tinha feito tão bem... Lembrou-se que partilhar energia é das coisas que mais a renovam...
Não se encostaram a uma árvore, não foi necessário. Todo o ambiente se transformou num momento mágico, numa partilha genuína e fantástica. Apenas o ruído de um rio que quase lhes acariciava os pés e as suas vozes primeiro trémulas e depois soltas, nada os incomodou...
Deixaram-se levar pelo instante, e acreditaram na energia do lugar... rapidamente ela inundou-os e deixou-se crescer numa pureza tremenda...
Não existirão nunca palavras para descrever o abraço, o olhar, o sorriso, o momento...
Ps. Estou Feliz!

terça-feira, setembro 12, 2006

Estrelícia ou Ave do Paraíso?

Estava à procura de um presente para este dia... Encontrei-o, sob o nome de Olhar Feliz... Nada mais apropriado para ti, para mim, para o Amor que reina onde o deixamos entrar...

sábado, setembro 02, 2006

Mais uma noite na noite

"Clang"
O primeiro som que ouviu desde que a noite caira. A escuridão que primeiro invadia a cidade, depois a casa e finalmente a si mesmo já não o incomodava. Antes do barulho ensurcedor romper o silêncio apenas a sentia invadir todos os recantos, depois era apenas uma confirmação, como se o mundo lhe sussurrasse ao ouvido o que há tanto tempo já sabia.

Era sempre o primeiro som que ouvia, conhecia-o tão bem. Há demasiadas noites que apenas ele o acompanhava. Dizia-lhe muitas vezes que era demasiado tarde para sair, em outras noites dizia-lhe que a escuridão já tinha chegado ao seu auge, mas todas as vezes lhe dizia que era demasiado cedo para ir dormir. Seria sempre demasiado cedo.
Teria de esperar o raiar do dia e deixar-se contagiar pelos primeiros raios de Sol que lhe invadissem o pensamento para o conseguir fazer, mas nem assim estava certo de que o faria.

O pequeno som que estalava sempre à mesma hora provinha do seu relógio de pulso, exactamente à uma e quarenta e oito, sempre o mesmo, designios fantásticos da famosa precisão Suiça que nunca percebera. Era apenas o virar de dia na pequena máquina tecnologicamente perfeita que acontecia demasiado tarde como se o dia se prolongasse mais umas horas para além do suposto, ou se estivesse desfasado do tempo e tivesse simplesmente criado o seu próprio tempo.

Nunca entenderia a verdadeira razão.

As noites somavam-se, uma a seguir à outra, já lhes tinha perdido a conta sem que conseguisse fechar os olhos destruidos pela cegueira negra que o envolvia. Apenas a luz o acalmava, mais os pensamentos que a si mesmo, pois todo o percurso da escuridão fazia-o inerte. Deixava que lentamente tudo o quanto não era racional o abraçasse e os pensamentos desdobravam-se em pequenos fragmentos que já não sabia serem seus, ou terem explodido do seu todo, apenas flutuavam em seu redor com vontade própria.

Durante algumas noites tentou reagir, acender as luzes e simular o dia aclarando a noite, mas facilmente se apercebeu do seu falso engano. A noite tem uma magia que nenhuma luz poderá apagar jamais. Perderia sempre um pouco de si no avançar da escuridão e dificilmente conseguiria recuperar outro tanto no raiar do dia...

(...)

domingo, agosto 20, 2006

Llovizna


Yo quisiera poder ser feliz como um pájaro
Una flor que ha nascido en el campo
Y no espera más que la lluvia o el sol
Yo quisiera nascer cada nueva manãna
En la luz de un rayo de sol que desnuda la más alta montanã
Y bajar en la suave llovizna
Que cae despertando la tierra
Con el frescor, la claridad del alba
Yo quisiera sentir libretad como un águila
Cuando abre sis alas y suelta en el valle una sombra fugaz
Y sentirme raíz del mayor de los árboles
El que roza en las nubes sus ramas desnudas y las hace llorar
Su tristeza en la suave llovizna
Que cae despertando la tierra
Con el frescor, la claridad del alba
Yo quisiera arrasar todas estas murallas
Las que callan mi voz en un hueco de sombra y piedra mortal
Y decodificar el sentir de la gente
Que no sabe o no puede aprender que vivir es mejor que soñar
Es igual que la suave llovizna
Que cae despertando la tierra
Con el frescor, la claridad del alba
Yo quisiera morir en un dia de invierno
Para sentir la lluvia mojarme la cara una última vez
Como sentir tu boca tocándo la mía
Y aunque solo un instante pensar que no es ese mi último adiós
Que morir es cómo essa llovizna
Que cae despertando la tierra
Con el frescor, la claridad del alba.
E voar, voar para bem longe. E deixar as lágrimas lavarem o rosto, adormecido para o mundo, mas tão desperto dentro de mim. Deixar o teu rosto invadir-me outra vez a alma, o pensamento, o coração, o corpo, eu, inteira, assim, sem barreiras. E saber que me vês, me escutas, me sentes também. E partir. E agarrar a tua mão com força, cerrar os dentes e sorrir. E acreditar. E deixar a memória pregar-me partidas. E voltar a acreditar que tudo foi um sonho, apenas porque exististe e isso vale tudo. Valeu o momento em que sorriste, valeu o momento em que choraste, valeu o momento em que nos descobrirmos pela primeira, pela última vez. Valeu, porque foi verdadeiro. E a verdade não precisa do tempo nem da eternidade para nada. E saber que me amaste, mesmo se nunca o disseste com palavras. E saber, apenas saber. E continuar a voar, agarrada a ti, porque preciso tanto, tanto da tua segurança, às vezes. E saber que, agora, basta pedir, pois estarás sempre comigo, pois sinto-te em cada estrela, em cada pedaço de céu, em cada gota da chuva. E foi preciso partires, para poderes estar tão perto. Mas, não importa, não importa. Deixa-te apenas estar, quando preciso de ouvir a tua voz: "Liginha", eu era a tua "Liginha". Nunca fui a "Liginha" de mais ninguém, sabias? E nunca fui mais nada para ti, só a tua "Liginha". E pensar que isso me basta agora. E amar-te, amar-te tanto. E querer dar-te o abraço que ficou aqui, guardado para um momento que não quis acontecer. E aprender a andar sempre de braços abertos, prontos a fecharem-se à volta de alguém, sempre, a qualquer instante. Não quero voltar a sentir este cheiro bafiento. Não aguento esta espera. Por isso chamo-te e tu vens. Olhas-me e voltas a chamar-me "Liginha". E eu ganho forças. E deixo-me chorar. E sei que sou capaz, porque sei que tu acreditas. E amo-te, porque hoje és o que sempre foste, mas sem máscaras. Amo-te porque também és a minha verdade. Amo-te porque um dia nasci e tu estavas lá. Amo-te porque um dia morreste e eu não estava lá. E sofri. Mas, agora entendo que foi melhor assim. Ficou o até já e o abraço. Assim, chamo-te. Tu vens. Eu sorrio. Digo-te "olá". E abraço-te. E sei que sou outra vez a tua "Liginha". E sinto a tristeza a dar lugar à força. E lá estás tu. E o teu rosto. E isso basta-me. Hoje, como a tristeza insiste em ficar, achei melhor vir aqui deixar-te o meu "olá". Hei-de relê-lo e voltar a sentir a tua mão na minha, pois sei que estás sempre, sempre aqui. Até já, querido papá.

sexta-feira, agosto 18, 2006

Injúrias


Porque as respostas chegam sempre no momento certo...
Comentário ao Evangelho do dia 17 de Agosto (e apenas lido hoje, logo hoje! ;) feito por : . João Crisóstomo (c.345-407), bispo de Antioquia depois de Constantinopla, doutor da Igreja Homilias sobre S. Mateus, nº 61:
Considera pois quantas vantagens retiras duma injúria humildemente sofrida e com doçura. Tu mereces assim, em primeiro lugar - e é o mais importante – o perdão dos teus pecados. Exercitas-te, depois, na paciência e na coragem. Em terceiro lugar, adquires a doçura e a caridade, pois aquele que é incapaz de se zangar com os que lhe causaram desgosto, será ainda muito mais caridoso para com aqueles que o amam. Em quarto lugar, desenraízas inteiramente a cólera do teu coração, o que é um bem sem igual. Aquele que liberta a sua alma da cólera, desembaraça-a também, evidentemente, da triteza: não gastará a sua vida em desgostos e vãs inquietudes. Assim, punimo-nos a nós mesmos ao odiarmos os outros; fazemos bem a nós mesmos ao amá-los. Desse modo todos te venerarão, mesmo os teus inimigos, ainda que sejam demónios. Melhor ainda, não terás mais inimigos, comportando-te assim.

domingo, agosto 13, 2006

Chuva de outono

Ela corou um pouquinho
e respondeu baixinho,
"Sou a Cinderela"...
Desligou o auto rádio. Os olhos transbordavam de um cansaço feliz, nos lábios um traço leve de um sorriso que ficara esquecido no rosto. Recordava os seus momentos de Cinderela e não tinha vontade de deixar partir as réstias de sonhos que ainda a prendiam à realidade. Tanto tempo já tinha passado, mas a idade tinha-lhe provado que o tempo não era mais que uma brincadeira dos anjos, uma roda gigante onde sentam a humanidade à nascença, fazendo-a depois girar, voltando vezes sem conta ao ponto de partida. As rugas do seu rosto apenas revelavam o resultado da erosão do vento e da chuva, provocada quando a roda girou mais depressa, mas não o envelhecimento ou o destino inevitável dos que aguardam a morte. O tempo não existia e a prova disso era o seu coração de menina, as suas faces coradas e aquele sorriso esquecido.
Gostava de reconhecer os passos dados outrora, em cada árvore, em cada ramo partido, em cada raio de sol que penetrava através das folhas molhadas. Tinha a certeza que as mesmas impressões digitais continuavam espalhadas naquele local, onde tinha descoberto, pela primeira vez, o amor. Tinha sido um instante fugidio, mal recordava o toque do corpo que a abraçara, que a cheirara, que a acariciara, que a penetrara, por tão breves segundos, como um grito que não podia mais ser calado. Mal recordava as mãos ávidas que, tão sabiamente, haviam feito escorregar o vestido que trazia, através das formas virgens do seu corpo. Não conseguia lembrar-se do cheiro, do sabor da pele daquele que a amara naquele dia, sentando-a para sempre ao seu lado, na tal roda gigante da vida. No entanto, recordava-se do seu sorriso, do momento em que os lábios que até então tinha beijado às escondidas, se entreabriram e lhe revelaram o segredo do mundo. Tinha nascido para acolher aquele sorriso, para lhe dar um sentido, assim que o contemplasse pela primeira vez. A partir desse segundo, a sua existência mudou para sempre, a roda girou freneticamente e, como que por magia, jactos de côr inundaram tudo o que os rodeava.
Anos mais tarde, aquele sorriso que se rasgara apenas para ela, cristalizar-se-ía e, mais uma vez, seria ela a guardiã da sua memória.
Chegou a casa. Saíu do carro e deixou as gotas da primeira chuva de outono cobrir-lhe o corpo. Era ele, como da primeira vez. Como sempre. Desde aquele sorriso.

quinta-feira, julho 20, 2006

A Tela

Colocou o pequeno chapéu na cabeça e soltou uma gargalhada, não fazia sentido colocá-lo mas era assim que se fazia desde sempre. Um chapéu, uma pequena boina, algo que aquecesse o que os entendidos chamavam de massa cinzenta.
Sabia que de nada adiantava mas fazia-o quase como se fosse um ritual, uma forma de se proteger de algo que não tinha nome. Que não queria nomear.

Sentou-se confortavelmente e suspirou, há semanas que tentava libertar o sonho que o invadia noite após noite para a tela. Tentara pincéis de vários formatos e tamanhos sem sucesso, as telas, ora demasiado pequenas, ora demasiado grandes, apenas saíam esboços sem sentido, num formato irreconhecível que julgava não ter sido ele a pintar.
Guardava-as todas numa velha arrecadação como se fossem tesouros, quem as visse certamente não compreenderia, apenas uns borrões, umas pinceladas, esgares de um artista sem talento - pensariam.
Mas a fé que tinha era inabalável, todos os dias sentava-se durante horas, abstraído do mundo, diante da tela com o seu pequeno chapéu na cabeça à espera do momento certo para começar a pintar a sua obra. A sua primeira obra.
Quantas vezes tinha pensado em desistir mas algo lhe dizia para não o fazer, para insistir até conseguir. Aprendera com a vida a lutar por tudo o que queria, e mesmo que tivesse conseguido muito pouco bastava-lhe. Sabia-lhe a muito. E era o quanto bastava para conseguir ser feliz, afinal a felicidade é feita de pequenas coisas, não é um estado que se conquiste para sempre. Tinha de ser alimentada diariamente e estava sempre com fome. Gostava disso.

Pegou na palete das cores e escolheu um pincel, as cores que se misturavam numa das pontas cheiravam-lhe a algo doce que não soube precisar, e pensou que talvez fosse esse o sinal para começar. Tentou escolher uma cor para começar, o primeiro traço, o início é o que custa mais. Molhou o pincel no amarelo, depois no vermelho, no castanho, no preto, nenhuma cor lhe parecia a indicada. Suspirou e pensou que era mais um dia perdido, a tela continuaria em branco.
Lavou o pincel e a palete, iria regressar a casa com a mesma frustração dos dias anteriores. A família esperaria por ele, sempre com um sorriso, e ele sentir-se-ia feliz, estranhamente feliz.

Sentou-se novamente e fechou os olhos, deixou que o pensamento o invadisse até tremer de frio, pela inércia, e lentamente conseguiu que ele se esvaísse e foi ficando escuro, cada vez mais escuro, até um só tom se apresentar diante dos seus olhos ainda fechados.

Num rasgo em que lhe pareceu nem ter respirado pegou no pincel e na tela. Escolheu uma única cor em diversos tons. Do mais claro ao mais escuro todos encaixavam. Desenhou o sonho e todo o universo que o tinha rodeado. Criou a sua primeira obra, perfeita como tinha imaginado. Nada menos que perfeito conseguiria descrever tal criação.

Chamou-lhe simplesmente "Azul".

quinta-feira, julho 13, 2006

Evangelho Quotidiano

Vale a pena lêr o Evangelho de hoje, que deixo aqui para duas pessoas muito especiais: uma constatará que hoje é dia 13; a outra reencontrará nestas palavras a fonte de novas frases que, um dia, certamente, voltará a transmitir da mesma forma perfeita de sempre:
Evangelho segundo S. Mateus 10,7-15.
Pelo caminho, proclamai que o Reino do Céu está perto. Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demónios. Recebestes de graça, dai de graça. Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos; nem alforge para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado; pois o trabalhador merece o seu sustento. Em qualquer cidade ou aldeia onde entrardes, procurai saber se há nela alguém que seja digno, e permanecei em sua casa até partirdes. Ao entrardes numa casa, saudai-a. Se essa casa for digna, a vossa paz desça sobre ela; se não for digna, volte para vós. Se alguém não vos receber nem escutar as vossas palavras, ao sair dessa casa ou dessa cidade, sacudi o pó dos vossos pés. Em verdade vos digo: No dia do juízo, haverá menos rigor para a terra de Sodoma e de Gomorra do que para aquela cidade.»
Da Bíblia Sagrada.
Comentário ao Evangelho do dia feito por : S. Gregório Magno (cerca 540-604), papa, doutor da Igreja Homilias sobre os evangelhos, 6

“Recebestes de graça, dai de graça”Vós podeis, também vós, se o quiserdes, merecer este belo nome de mensageiros de Deus. Com efeito, se cada um de vós, segundo as suas possibilidades, na medida em que tiver recebido a inspiração do céu, desviar o seu próximo do mal, se tomar a seu cuidado trazê-lo para o bem, se recordar ao transviado do Reino o castigo que o espera na eternidade, é evidentemente um mensageiro das santas palavras de Jesus. E que ninguém venha dizer: Eu sou incapaz de instruir os outros, de os exortar. Façam ao menos o que vos é possível, para que um dia não vos peçam contas do talento recebido e mal conservado. Porque aquele que preferiu esconder o seu talento em vez de o fazer render não tinha recebido mais do que um talento (Mt 25, 14s)...
Arrastai os outros convosco; que eles sejam os vossos companheiros na estrada que leva a Deus. Quando, indo à praça ou aos banhos públicos, encontrardes alguém desocupado, convidai-o a acompanhar-vos. Porque as vossas acções quotidianas servem, elas próprias, para vos unir aos outros. Ides a Deus? Tentai não chegardes lá sozinhos. Que aquele que, no seu coração, já escutou o apelo do amor divino tenha para com o seu próximo uma palavra de encorajamento.

sábado, julho 08, 2006

Encruzilhadas

Cruzo-me com pessoas todos os dias, com acontecimentos, instantes, pormenores deliciosos e mordazes de um mundo que não pára de girar. As linhas demasiadamente tortas, o caminho que se torna uma encruzilhada, um labirinto sem fim. Há momentos em que é mais fácil desistir, parar de pensar e de agir. Simplesmente ficar a olhar o relógio a corroer as horas até que tudo se torne apenas uma névoa espessa e nada mais faça sentido.
Nada mais utópico existe.
É nestes instantes que descubro réstias de uma força que nunca pensei ter, um esgar de coragem e de luta para com o mundo. Ele não conspira contra nós, nunca o fará, e basta-me acreditar que assim é para continuar uma luta... por mim, pelas pessoas que me são especiais... Só assim vale a pena Viver...

Não acreditar em coincidências torna-me uma pessoa mais atenta às mensagens que por aí circulam... Muitas vezes demasiadamente, tenho consciência disso. Mas há mensagens tão bem colocadas que não há como fugir nem como ignorar.
Poderia eu, há algum tempo, dizer que eram apenas devaneios de alguém com bastante tempo livre. Hoje não consigo acreditar nisso... Não faria sentido... De forma alguma.

Um dia conto-te uma história...

14.13: "Ele há coisas"

sexta-feira, julho 07, 2006

Felicidade - II

"Felicidade. Chamar-se-á Felicidade." - pensou a mãe, exausta, ao ouvir o som dos soluços aflitos da filha que acabara de trazer ao mundo. Um nome que carregaria o peso da consciência materna, que duplicara de peso ao saber que tinha dado à luz uma menina. Felicidade seria o nome adequado para um ser cujo destino já se revelava infeliz; era a compensação que a mãe devia àquela menina que não pedira um pai que não a desejava, nem uma mãe que também não saberia desejá-la, assim que encarasse o olhar reprovador do marido. Felicidade era a única coisa que não poderia oferecer àquela criança, mas o seu nome anularia esta impossibilidade, pelo menos, através da força do amor que a mãe assim lhe dedicava.
-"Mais uma rapariga? Mas, porquê eu? Porquê esta miséria? Porquê este destino?" - a amiga que assitira ao parto acabara de informá-lo. Após pronunciar estas palavras, ele saíu, fechando bruscamente a porta atrás de si. Queria esquecer-se do que acabara de acontecer. Não poderia voltar a ser pai e muito menos de uma rapariga. Como podia ter sido tão irresponsável e permitir que outros olhos lacrimosos viessem ao mundo, pedindo-lhe alimento e agasalho? Já se sentia suficientemente culpado, ao observar as feridas nos pés dos outros dois filhos, por terem apenas um par de sapatos rotos cada um. Já dava reviravoltas na cama, imaginando como conseguiria um pouco mais de dinheiro no dia seguinte, uma vez que, o pouco que ainda conseguia cultivar nas terras pouco férteis herdadas do pai, já mal dava para a subsistência da família. Uma rapariga não trazia braços fortes para trabalhar, mas um ventre que seria necessário observar cautelosamente. Mais uma rapariga era mais uma hipótese de vêr a sua família manchada de vergonha. Já se sentia sem forças e o seu rosto envelhecera desde que a mulher lhe tinha anunciado a gravidez. Agora, que os piores presságios se confirmavam, tudo o que queria era mergulhar o fardo que carregava e que aumentara de volume, em vários copos de vinho, se possível, até perder os sentidos...

quarta-feira, julho 05, 2006

Palavras

As palavras são como moldes da realidade de cada um. É quando enchemos os moldes com substâncias consistentes, dando forma às palavras, que estas ganham um sentido e podem ser expostas, apalpadas, contempladas, utilizadas. Às vezes, utilizamos o gesso ou o barro, correndo o risco de quebrá-las um dia. Pior ainda quando criamos palavras de cristal ou de vidro, tão frágeis que necessitam de muito cuidado ao serem pronunciadas. Mas, que felicidade ao vêr uma bonita criação em ferro ou aço!
Tantos materiais ao nosso dispôr! Tantas técnicas e possibilidades criativas! Com a mesma madeira podemos construir a palavra casa, abrigo de sonhos, de momentos únicos de intimidade, de família e amigos; e a palavra caixão, abrigo da solidão calada para sempre. Com a mesma matéria criamos a confiança em si mesmo, mas se exagerarmos na dimensão da obra, não é difícil de vêr surgir o orgulho, a indiferença, ou a soberba.
Assim como é preciso ter cuidado na construcção das palavras, torna-se indispensável a sua correcta utilização, pois corremos o risco de empregar palavras de vidro como se fossem inquebráveis, ou de nos pormos a soprar palavras que ainda não passaram pelos moldes e, por isso, desprovidas de qualquer sentido.
Este último perigo é particularmente doloroso quando nos referimos a seres humanos. O que dizer, por exemplo, da palavra mãe, quando o criador se esqueceu de que não chega criar uma palavra e empregá-la a todas as obras qe reunem características mais ou menos similares? O que significa, afinal, a palavra mãe? Concepção, parto, maternidade, amamentação. Palavras que pertencem ao mesmo conjunto de moldes, mas que não chegam para definir esta palavra que, um dia, Alguém decidiu colocar entre as mais preciosas de todas as criações.
Infelizmente, alguns criadores esqueceram-se de juntar a este conjunto os moldes do carinho, da amizade, da compreensão, do colo, da felicidade, da união, da comunhão, do companheirismo, da protecção, da segurança, da confiança, do amor, do Amor, do abraço, do beijo, do conselho, da sabedoria, da calma, da sinceridade, do diálogo, da lágrima, do conforto... Atenção, senhores criadores, a falta de todos estes moldes reflecte-se na incorrecta utilização da palavra mãe! E esta palavra é uma preciosidade, não podemos continuar a falsificá-la, a utilizá-la indiscriminadamente, é preciso completá-la e impedir que estes erros sucessivos causem uma cadeia de falsificações. Como é triste observar a palavra filho ficar eternamente condenada, após a falsificação da palavra que lhe confere grande parte do sentido! Na mesma galeria, é difícil vêr exposta uma magnífica obra de arte entre a mediocridade que caracteriza todas as outras, diria mesmo, praticamente impossível! Pensemos nisto, senhores criadores e priviligiemos a qualidade das nossas palavras!

Felicidade - I

"Como posso dar-lhe mais esta notícia?" - pensou - "Não pode ser." As lágrimas escorregavam-lhe pelas faces côncavas, desenhando trajectos irregulares sobre as saliências de um rosto que já há muito conhecia as privações reservadas às famílias numerosas daquela aldeia.
Estava grávida. Mais uma boca a alimentar, mais um estômago constantemente faminto. Na sua mente, apenas o desejo de não ter aquela certeza. No seu coração, a angústia de saber o desgosto que causaria ao marido e a morte que, certamente, causaria àquela criança.
-"Mulher, porque choras?". A voz grave do seu homem sobressaltou-a. Esconder a verdade. Não se sentia com forças naquele momento. Era preciso esconder-lhe a verdade.
-"Sei lá, homem." - respondeu de voz trémula - "Fraquezas de mulher!"
-"O Bicas ainda não me pagou. Não sei mais o que dizer-lhe, mas se continua a fugir com o rabo à seringa, vou ter de mostrar-lhe como são as coisas!".
O temperamento explosivo do marido causava-lhe arrepios. Bebia muito e costumava bater-lhe, mas ela preferia sentir o corpo a queimar sob os seus arremessos violentos, que vêr as suas crianças a pagarem a dívida do vizinho ou a constatação diária da profunda miséria em que viviam:
-"Vais vêr que ele paga ainda esta semana. Isto anda tão difícil para todos!" - respondeu-lhe ela, com a voz suavizada pelo medo.
-"Até tu defendes aquele miserável? Deve a mais de dez pessoas, mas não deixa de embebedar-se todas as noites! Escreve o que te digo: ou me paga amanhã, ou..." - a frase foi interrompida pelos gritos alegres das crianças que chegavam da escola. Ruborizado pela cólera provocada por aquela interrupção brusca, acrescentou, gritando:
-"E esses fedelhos, antes não tivessem nascido! Já não sei como arranjar dinheiro para comprar pão e leite e eles a pedirem-me cadernos e lápis!"
A mãe correu a acolhê-los, preocupando-se em conduzi-los às traseiras do casebre e a silenciá-los. Sentia-se feliz por vê-los sorrir, apesar de saber que estavam sem comer desde o dia anterior. Não queria que entrassem em casa, correndo o risco de vêr palavras ingénuas, tantas vezes pronunciadas inadvertidamente pelas crianças, provocar mais uma vez a perda de controle do pai.
Correram a abraçar a mãe, com o sorriso iluminado pelo reconhecimento da única fonte de calor e de conforto daquela casa. Nos seus braços, sentiam-se seguros e sabiam que poderiam enfrentar o mundo, a fome, o olhar reprovador dos outros...