quinta-feira, setembro 28, 2006

Aniversário s

Através da janela, alguns raios de sol anunciaram-me que o dia seria luminoso. Coisa rara, motivo para saltar da cama e abraçar a abençoada anunciação. Mas, não me apetecia. O corpo doía-me, porque tinha a alma prestes a explodir de dor. Os meus olhos brilhavam face à perspectiva de enfrentar mais um dia de solidão. Passei as mãos pelo cabelo ainda desgrenhado e senti as lagrimas a queimarem-me finalmente as faces, arrefecidas pelo contacto do dia que despontava. Não, definitivamente não queria acordar. Era o dia do meu aniversário e a vontade que assim não fosse era mais forte que a própria constatação de que nada havia a fazer. Na minha mente, imagens de gargalhadas e abraços de outrora, beijos e "Parabéns a você" a bailar nos lábios de quem mais amo; no meu peito, aquele desejo de arrancar o coração e esquecer, esquecer tudo.
Arrastei-me finalmente e pus-me a olhar para o écrã, mas nada. Nem uma palavra. Nada. Aquela vontade de esquecer persistia, mas tinha de afastá-la. Pus-me a arrumar, a limpar, a pôr tudo em ordem, na vã tentativa de ordenar sentimentos dentro de mim. No dia anterior, eu era alguém diferente, confiante, sorridente. Porque tive de adormecer? Porque me acordou o sol? Mensagens. Parabéns, Joyeux Anniversaire, etc, etc. Ecos de sons que não chegaram até mim. Não naquele momento. Primeiro telefonema. Voz triste do outro lado da linha, Tenho saudades tuas. Lágrimas, nó na garganta, palavras caladas deste lado. Sentei-me nas escadas e esperei que a tristeza passasse. Talvez se fosse embora, assim, de mansinho, como um ladrão furtivo que, tendo roubado tudo o que de valor existia, soubesse escapar-se entre as espessas trevas da noite.
A Bíblia, claro! Peguei na Bíblia e li o texto que me foi concedido. Não me lembro do que se tratava, mas senti que era como um bálsamo para a minha inquietação interior. Lembrei-me, então, como por "mero acaso", de que não estava só. Vesti-me e, ainda que com alguma dificuldade em encarar o espelho envelhecido, penteei-me, escovei os dentes e coloquei uns brincos cor-de-rosa. Sem vontade, mas afinal era o meu dia de anos, bolas!
Olhei para o relógio. Pedi ajuda. Ela chegou rapidamente, no reflexo de soberbos girassóis rodeados de rosas envaidecidas. Nem queria acreditar. Nunca tinha sentido a energia dos girassóis de tão perto. Eram verdadeiros girassóis, enfeitados de amarelo e preto! Era o sol que teimava em entrar na minha casa, nesse dia. Deixei de teimar em deixá-lo à porta e sorri. Amei-o e trouxe-o para dentro.
Depois, veio a voz do meu querido mano, do meu avôzinho. Mais lágrimas, mas desta vez de felicidade. Tomei um cappuccino e li um livro, numa esplanada aquecida, em Bruxelas. Voltei para casa. A minha família, afinal, não acaba na fronteira com Espanha. Aliás, descobri que a fronteira desapareceu, pois a amizade foi apagando, com a paciência de um anjo, a pouco e pouco, a linha que existia e que impedia a felicidade de passar. Agora, sei que também estou rodeada de família aqui. As raízes, essas, jamais abandonarão o solo onde se desenvolveram primeiro. Os ramos, porém, estendem-se cada vez mais longe. As flores começam a nascer. Começo, até, a colher alguns frutos, aqui e ali. Houve verdadeiros Parabéns a você. E alegria e palavras que nunca pensei escutar.
Depois, telefonemas que aqueceram o telemóvel e o meu coração. E dizer que tinha querido arrancá-lo de manhã... Vozes conhecidas, letras finalmente desenhadas no écrã, vida, Amor, alegria. Fim do dia. O sol já adormeceu, mas os girassóis ficaram a velar-me o sono e o sorriso no rosto...