sexta-feira, abril 28, 2006

Parabéns!

Faz hoje um ano, talvez mais alguns dias, não o recordo como data no calendário em que me pediste para não ter pena de ti. Relembro-me da cada palavra. Relembro do tom sério em que te encarei e que disse suavemente que não tinha pena, nunca a tinha sentido. Relembro como se fosse agora dizer-te que te amava e do carinho que sentia por ti. Foi a única vez que o disse. Será eterna. Ambos sabemos. Trago-te comigo por dentro e por fora e orgulho-me do teu, do meu, nome. É o que de mais orgulho tenho e o único que ninguém , nunca, me poderá tirar, assim como o meu Amor por ti...
Hoje entrei no teu espaço. No único que consideravas mesmo teu. E sei que era o único que entrava lá sem qualquer receio, sem que me pedisses e mesmo sem estares presente. Era uma barreira com o mundo que tu construiste, uma espécie de refúgio que pensaste ser o melhor para ti. Senti o teu cheiro e o teu toque no ar, nas pequenas coisas que ainda sobram de uma existência marcante.
São também pedaços de mim.
Relembrei-me de tanta coisa e consegui chorar. Desde que partiste que não o conseguia. Há tanta coisa que nos transforma. estarás sempre comigo e eu contigo, sei que o sabes...

Haverá sempre tanto para contar sobre ti...

Sentei-me numa esplanada com o nosso velhote. Pensei que não se lembrasse. Enganei-me. O Amor de Pai é sublime. Trocámos silêncios e dores profundas. Há sempre uma lágrima que se desprende. Sem rumo. Quando a dor é profunda as palavras não saem, são apenas gemidos surdos que teimam em permanecer...

Teremos sempre histórias para recordar, pedaços do tempo que ninguém compreenderia, instantes que levarei para todo o sempre...

Encherei sempre o peito de orgulho ao mostrar a fotografia tua que guardo comigo, ao contar as estórias que vivi contigo, as que me contaste, os pedaços de tempo que me foram partilhados...

Parabéns Papá!

Junior

Muitos Parabéns!



Fui visitar-te e sorriste. Era tão raro vêr o teu sorriso. Devia ser por isso que gostava tanto de vêr-te sorrir. Significava que tudo estava bem, pelo menos naquele instante.
Quando era mais pequena, costumava tremer, ao sentir-te chegar. Temia o que poderia acontecer, se viesses num daqueles dias. Se já estivesse a dormir e acordasse sobressaltada, já sabia o que ía acontecer. Acordava o Bé e preparava-me.
A pouco e pouco, aprendi a não ter medo. Naquele dia em que voltaste para casa, depois de uma longa ausência, quis levar-te à escola, para que as minhas amigas te conhecessem. Eu estava tão Feliz! Finalmente, tinhas vindo para ocupar o lugar vazio à mesa, em toda a casa e nas nossas vidas. No meu coração, o teu lugar esteve sempre cheio de esperança de, um dia, te encontrar e sentir que tu também me encontravas, me conhecias e me amavas. Mas, as minhas amigas não compreenderam. Insultaram-te e rejeitaram-me. Eu não percebi porque reagiam assim. Os meus olhos encheram-se de lágrimas e decidi fechar este sentimento dentro de mim, para que ninguém pudesse maltratá-lo. Mas, quando se prende um sentimento, prendemos várias acções e gestos que o acompanham. Assim, afastei-me de ti, ignorei-te, fingi que não existias. Só assim poderia ser feliz. Inventava desculpas a mim mesma, para não te visitar. Afastei-me e tu não vieste atrás de mim. Decidimos que seria melhor assim. Ou talvez não o tenhamos decidido, mas aconteceu assim.
Um dia, ficaste doente. Eu já tinha partido. Mas, o meu sentimento que, juntamente com outros, já havia decidido libertar-se, encontrou-te. Finalmente. Trocámos mensagens sem fim. Tu estavas ali. Finalmente, encontrávamo-nos. Dei-te o apoio de que precisavas, mas recebi muito mais do que alguma vez poderia ter sonhado. Disseste que me amavas também. Tu, que nunca expressavas qualquer sentimento, disseste-me que valia a pena ter nascido, para conhecer alguém como eu. Chorei noites sem fim, sempre acompanhada desta mensagem, que li vezes sem conta. Ainda a guardo.
Mas, mais uma vez, começaste a fazer coisas que ninguém entendia e que magoavam quem mais te amava. A pessoa que mais te acompanhou abandonava-te também, pois já não conseguia fechar mais os olhos a tanto sofrimento. Ainda te vi chorar. Naquele dia, choraste como uma criança arrependida. Eu senti que algo dentro de ti começava finalmente a quebrar-se, mas também não acreditei. Fui-me embora. Ficaste sózinho e enlouqueceste. Nunca mais te vi. Nunca mais ninguém te viu.
No dia em que fui visitar-te, tiraste de uma gaveta um velho palhacinho, de cara desbotada e roupa amarelada. Era para mim. Disseste-me para lavá-lo e pintar-lhe a boca. Recuperaria a dignidade e tornar-se-ía num belo palhacinho de porcelana. Nunca o fiz. Ainda bem. Assim, tornou-se no nosso palhacinho. Enquanto estudo, olha para mim, com aquele ar triste de quem se sente só. Lembra-me a nossa relação e arranca-me lágrimas de saudade. Não dizíamos nada, mas eu sei que nos amávamos. Tínhamos esquecido, porém, como demonstrá-lo. Mas, eu sei que eu era tua e que tu eras meu e do Bé, que cresceu e tornou-se no Junior. Para ti, aliás, sempre tinha sido o Junior, o teu Junior.
Hoje, sei que te orgulhas da nossa união e sei que podes sentir que a devemos também a ti. A ti e à outra estrelinha. As primeiras a partir, mas as únicas que mereciam relamente estar juntas. No momento certo, talvez, mas não sem um rasto de mágoa e de ausência profunda e inexplicável. Hoje, recordo o teu sorriso. Logo tu, que raramente sorrias. E, quando me olho ao espelho, vejo o teu rosto reflectido no meu e sei que te pertenço. Sinto-me Feliz por sabê-lo. Finalmente, sinto-me Feliz por me sentir parte de ti. Talvez porque tenhas partido e só tenham restado o palhacinho e a lembrança do teu sorriso; talvez porque sempre o senti, mas deixei de o assumir naquela segunda-feira, em que todos se riam de mim. Não faz mal, porque a mulher que sou hoje também tem muito de ti e essa herança jamais alguém poderá tirar-me.
Parabéns, querido papá! Recebe esta lembrança do teu sorriso como o meu presente, hoje e sempre! Nunca serás esquecido! Amo-te!

quinta-feira, abril 27, 2006

Dependências

Ontem fiquei sem computador. As lágrimas vieram-me aos olhos, os nervos à flor da pele. Dois meses apenas e já avariado! Fiquei triste e desesperada, pois os exames estão à porta. Depois de recorrer à minha ajuda de todas as horas e de enviar algumas mensagens, a queixar-me, parei para pensar. E pensei em Milarepa.
Conheci Milarepa através de uma grande amiga que, por sua vez, já o tinha conhecido através de um livro que, por sua vez, foi escrito por alguém muito especial - Eric-Emmanuel Schmitt. Sei que se trata de alguém especial, porque foi esta amiga, que também é muito especial, que me falou nele, pois conhece-o pessoalmente. Mas, como às vezes somos como São Tomé, preferi escrever este post depois de já ter "visto para crer", ou seja, depois de já ter lido qualquer coisinha do dito escritor.
A minha amiga especial enviou-me, então, por outras mãos não menos especiais, três livrinhos do autor. Li-os em poucas horas, mas como não há amor como o primeiro, ficou-me na memória a experiência de Milarepa.
Depois se ter submetido a tarefas de uma dificuldade extrema, Milarepa merece livrar-se do ódio que tem dentro do seu coração e atingir a iluminação (não vou contar-te a história, pois sei que estás curioso e a curiosidade é mestra!). Após obter a iluminação, Milarepa decide viver numa caverna durante vários anos, tendo como único alimento urtigas, preparadas numa caçarola que, um dia, se parte. Milarepa, que havia abandonado todas as dependências materiais e atingido a iluminação, percebeu que tinha estado, durante a sua estadia na caverna, dependente de uma caçarola. Ela tinha-o dominado e levava-o agora ao desespero.
Assim aconteceu com um mestre. E o mestre fez-me pensar. Agradeço, mais uma vez à minha amiga e ao seu escritor. Agradeço ao mestre. Agradeço, sobretudo, a Deus, pois sei que outras dependências se mostram diariamente, mas Ele não nos abandona e mostra-nos, através dos Seus instrumentos variados que há sempre uma iluminação há nossa espera...

quarta-feira, abril 26, 2006

um Norte a seguir....



Norte (o meu)

Volto as costas ao vazio
procuro o vento frio
o caruncho pode desfrutar
do meu velho sofá
deixo as manchas de café
o candeeiro de pé
vou em busca do meu Norte

Levo imagens que sonhei
tesouros que roubei
a famosa gabardine azul
tem mais alguns rasgões
levo as horas que perdi
o espelho a quem menti
sigo em direcção ao Norte

Quantos pontos cardeais
ficarão no cais da solidão?
Quantos barcos irão naufragar,
quantos irão encalhar na pequenez
da tripulação?

Deixo os dias sempre iguais
os mundos virtuais
deixo a civilização que herdei
colher o que plantou
abandono o carrossel
a Torre de Babel
deitei fora o passaporte

Confio às constelações
as minhas convicções
quebro o gelo que se atravessar
no rumo que eu escolhi
o astrolábio que há em mim
vai respirar enfim
hei-de alcançar o meu Norte
Jorge Palma
Quando tudo começar a tremer e as forças a escassear lembra-te que há sempre um céu pintado a quatro mãos onde as estrelas brilham por ti, para ti. Quando os sonhos parecerem mais longe e a vida mais dificil lembra-te que ela fica mais dura perto do topo e que das pedras no caminho também se fazem castelos. Quando nada parecer correcto e os caminhos ficarem estreitos, repletos de cruzamentos lembra-te que há sempre um Norte a seguir...

quinta-feira, abril 20, 2006

Ausência

Não há pior ausência que a ausência de Vida. Ou será a ausência da Vida? Como se afasta a Vida ou como permite ela a nossa existência exterior aos seus preceitos? Como é que se passa de um instante iluminado pela felicidade ou o que quer que seja esta certeza que habita o mais profundo de nós; para a ausência de tudo, menos de tempo e espaço? Como é que se escreve, porque essa é a razão de tudo e, no momento seguinte, se escreve apenas para preencher um espaço em branco? Gostava tanto de aprisionar este instante preciso e não permitir que acontecesse! Gostava de ficar apenas a vê-lo debater-se, contra as grades de uma jaula instransponível, mas apenas por breves segundos, pois teria que Viver. Se fosse possível nunca sofrer desta ausência ou abandono...

terça-feira, abril 18, 2006

O Troco

Era Domingo de Páscoa.

O dia estava solarengo e saí para espairecer, beber um café e ouvir um pouco de silêncio.
Aos Domingos a civilização abranda o seu ritmo o que me deixa poucas hipoteses para escolher onde beber um café, como era feriado as hipoteses escasseavam mesmo.
Num local mais longe encontrei uma pequena pastelaria onde a necessidade do dinheiro dos poucos clientes que decidem espairecer neste dia é indispensável. Estranhamente o pequeno espaço estava cheio e bastante barulhento.
Uma cara rispida e descontente percorria avidamente o outro lado do balcão. Sozinho. Procurando, num tom frenético, despachar todos os clientes que se apinhavam deste lado.
Quando me aproximei perguntou-me num tom seco - "O que vai ser?"
Pedi um café e um maço de cigarros.
Tenho o hábito de entregar o dinheiro quando me estão a servir e esta não foi a excepção. Uma nota.
Saboreava o meu quase frio café quando o individuo me atirou as moedas para cima do balcão deixando tilintar um som desprezivel que me desagradou. Fiz contas de cabeça e descobri que ele se tinha enganado. Deixei-me ficar durante um instante a saborear o que restava na chávena já gasta e, finalmente, chamei-o à atenção.

- Desculpe, quanto é o café? Perguntei-lhe serenamente.

No balcão repleto de pessoas o silêncio instalou-se por momentos. Senti, num arrepio só, as caras voltarem-se para mim numa desconfiança atroz.
Do outro lado a cara rispida e descontente olhou as poucas moedas que ainda estavam em cima do balcão e respondeu-me o preço do café, que coincidia com as minhas contas. Perfeito.

- Então está a dar-me dinheiro a mais. Faça lá a conta. Esbocei então um pequeno sorriso, quase imperceptivel.

Estranhamente o silêncio mantinha-se o que fez a minha voz entoar por todo o pequeno espaço como um sussurro. Os individuos colados ao balcão olhavam para as moedas enquanto esperavam que, numa palavra precisa, do outro lado do balcão a soma fosse anunciada.
Mas do outro lado do balcão o ser desprovido de qualquer feição que lhe transmitisse sentimentos recolheu o troco, refez as contas e entregou-me a quantia certa - que não confirmei - em mão. Disse-me apenas um obrigado e olhou-me surpreendido.
Quando saí o ruído já se tinha voltado a instalar. Nada de novo.
Regressei então ao meu pequeno passeio de domingo, de Páscoa, mas com um largo sorriso no rosto. Tinha demonstrado em escassos segundos um pouco do espirito da Humanidade à humanidade.

Hoje voltei lá.

Recebeu-me com uma Boa Tarde sonora. Sorriu. Despediu-se com um cumprimento também sonoro e fraterno.

Talvez tenha voltado a acreditar nas pessoas.

domingo, abril 16, 2006

Vida

"Por um longo tempo eu achei que a vida estava prestes a começar, a vida de verdade. Mas sempre havia um obstáculo no caminho, algo que eu tinha que atravessar, algo mal acabado, uma dívida para se pagar e aí sim, a vida ia realmente começar. Finalmente ocorreu que estes obstáculos são a minha vida".
Alfred D. Souza
Quantas vezes não pensamos nós assim? Que vamos disfrutar da vida logo depois de algo... esquecemos que o tempo não espera por ninguém, que o mundo não pára para nos deixar pensar...
Viver o presente talvez seja a tarefa mais difícil que nos incumbiram de fazer. Encarar que o presente somos nós que fazemos e cada instante só a nós pertence...
As pedras do caminho também fazem parte dele, e somos nós que decidimos se tropeçamos nelas ou se as utilizamos para construir um castelo...
Ahh, a vida... quantas vezes mais fácil seria se apenas tivessemos de seguir um trajecto... e quantas vezes mais oca...

sexta-feira, abril 14, 2006

Amor Sem Fronteiras

Depois de uma manhã dedicada ao cinema em casa, coincidência vai, coincidência vem e lá vem mais um post de considerações introspectivadas. Uma História de Amor em Japonês, O Que Deus Criou e Amor sem Fronteiras - os três filmes que, escolhidos "por acaso", me acompanharam nesta sexta-feira Santa, deixando pegadas no terreno arenoso da minha Alma. No meio de cerca de cinquenta filmes, apenas escolhi vêr o primeiro destes três. Os outros dois impuseram-se e eu deixei-os. Mais vale não contrariar estes pedidos de atenção - alguma intenção hão-de ter!
Uma História de Amor em Japonês - escolhi este, devido à minha paixão pelo Oriente, mas fiquei decepcionada com o conjunto, do qual apenas se destacava o personagem principal, um Japonês lindo de morrer!! Exploração da morte e história sem pés nem cabeça.
O Que Deus Criou - América. Anos 30. Racismo e primeira intervenção cirúrgica ao coração. Profundamente emotivo e portador de uma mensagem: às vezes, é preciso ír para além de nós mesmos, sermos pisados, deixar o nosso orgulho caír por terra; para alcançar um sonho. O segredo? Olhar para o horizonte e não para a ponte que teremos de atravessar para alcançar esse horizonte. Mesmo que, por baixo dessa ponte, crocodilos gulosos aguardem avidamente que escorreguemos das tábuas corroídas e bafientas, sobre as quais caminhamos.
Amor Sem Fronteiras - Mais uma história de Amor, pensei. Nada disso, ou pelo menos, não apenas isso. Angelina Jolie leva alimentos a um campo de refugiados em África. No meio do deserto, entre homens e mulheres que gritam, implorando por um pouco de comida, ela vê uma criança esquelética e decide salvá-la. Era apenas mais uma vida que partiria. Que importância teria esse facto, entre tantos outros semelhantes? Para ela, valeu a pena. Assim como vale para todos aqueles que diariamente se debatem de forma voluntária pela vida de pessoas que não conhecem. Depois, veio a tal história de Amor, mas vivida com o mesmo pano de fundo: morte, sofrimento, injustiça provocados pela indiferença de todos nós, aqui deste lado, sentados confortavelmente em frente à televisão, a vêr diariamente o mesmo episódio de fim do mundo, mas com personagens diferentes a cada dia.
Uma sequência de filmes, de realidades, que se aproximou, pouco a pouco do objectivo deste chamamento... Compreendes, não é? Eu também compreendi. Porque não me fiquei apenas pelo primeiro ou pelo segundo dos filmes? Porque há verdades das quais não podemos fugir, urgências universais que se tornam num objectivo de vida pessoal. Porque o sonho comanda a Vida e porque não vale a pena Viver se não for por ele...

quinta-feira, abril 13, 2006

Trecho 46

"Releio passivamente, recebendo o que sinto como uma inspiração e um livramento, aquelas frases simples de Caeiro, na referência natural do que resulta do pequeno tamanho de sua aldeia. Dali, diz ele, porque é pequena, pode ver-se mais do mundo do que da cidade; e por isso a aldeia é maior que a cidade...

"Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura."

Frases como estas, que parecem crescer sem vontade que as houvesse dito, limpam-me de toda a metafísica que espontaneamente acrescento à vida. Depois de as ler, chego à minha janela sobre a rua estreita, olho o grande céu e os muitos astros, e sou livre com um esplendor alado cuja vibração me estremece no corpo todo.

"Sou do tamanho do que vejo!"Cada vez que penso esta frase com toda a atenção dos meus nervos, ela me parece mais destinada a reconstruir consteladamente o universo. "Sou do tamanho do que vejo!" Que grande posse mental vai desde o poço das emoções profundas até às altas estrelas que se reflectem nele e, assim, em certo modo, ali estão.

E já agora, consciente de saber ver, olho a vasta metafísica objectiva dos céus todos com uma segurança que me dá vontade de morrer cantando. "Sou do tamanho do que vejo!" E o vago luar, inteiramente meu, começa a estragar de vago o azul meio-negro do horizonte.

Tenho vontade de erguer os braços e gritar coisas de uma selvageria ignorada, de dizer palavras aos mistérios altos, de afirmar uma nova personalidade larga aos grandes espaços da matéria vazia.

Mas recolho-me e abrando-me. "Sou do tamanho do que vejo!" E a frase fica sendo-me a alma inteira, encosto a ela todas as emoções que sinto, e sobre mim, por dentro, como sobre a cidade por fora, cai a paz indecifrável do luar duro que começa largo com o anoitecer."

Bernardo Soares in Livro do Desassossego

quarta-feira, abril 12, 2006

Tai-Chi

- "Depois de uma sessão de Tai-Chi, podemos senti-nos tristes sem motivo" - disse o mestre, acrescentando - "É a limpeza."
Depois de uma sessão de exercícios com os 5 elementos, em que senti o meu corpo aquecer, sem perceber muito bem como, dada a tranquilidade dos movimentos; senti a massagem dos dedos sábios de alguém que soube conciliar duas culturas tão diferentes em si mesmo, transformando-se num ser de rara beleza.
Voltei para casa. Estava feliz. Sobretudo porque éramos 8 e conseguimos estar duas horas juntos, sem que se sentisse sequer o mais leve toque de pessimismo no ar... Incrível. Maravilhoso.
Decidi acabar de vêr um filme, Cold Mountain - triste, sem dúvida, mas com pouco interesse, talvez por tratar um tema recorrente. Gostei, apesar de tudo. Fez-me pensar na tormenta da guerra, na perdição das almas.
Voltei ao MSN. Estavas aqui, tão perto, a aparecer escrito no écrã, mas a bateres à porta do meu coração. De repente, senti o peso de toda a maldade do mundo a caír-me em cima. Vi as crianças sem idade, sem família, sem escola. Vi a polícia a bater-lhes. Vi o teu rosto, a encher-se de lágrimas imperceptíveis, de alguém que chora para dentro, como outro alguém, a quem Deus levou tão cedo, ainda que certamente com uma intenção. Vi o sofrimento a correr pelos vales e planícias da Terra, como um rio que não se esgota. As lágrimas caíam-me incessantemente. A imagem desfocou-se mas consegui vislumbrar a questão: "Então e a Casa dos Sonhos?". Mais lágrimas e a desconfiança no idealismo que me corre nas veias.
Há momentos assim. Tai-Chi ? Talvez. Talvez não tivesse sido mais do que a limpeza...

domingo, abril 09, 2006

Salto à vara

.Há não muito tempo mostraram-me o lado filosófico do desporto salto à vara. É, realmente, um desporto que tem uma vertente psicológica bastante acentuada e que podemos associar a diversas situações na nossa vida. O desporto é simples e composto de apenas uma fasquia (a barra pela qual o atleta tem de saltar por cima), pela barra que o atleta tem na mão para se elevar, e, claro está, pelo atleta.
O âmago da questão é o momento anterior ao salto.
É esse instante, que não dura mais que uns escassos segundos, que todas as decisões são tomadas. É nesse exacto momento que podemos associar este desporto simples mas complexo à nossa vida, às situações da nossa existência. Ao chegar perto da fasquia, o atleta olha para a fasquia e mede a altura da mesma. Pergunta-se se conseguirá saltar, se não estará a fasquia alta demais.
A tudo se associa a uma vivência nossa. Ao chegarmos perto da fasquia pensamos no que temos. Uma simples barra para nos elevarmos, um desejo imenso de saltar, e a nossa força interior.
Podemos ter dois tipos de atitude perante tal situação:

- Ao chegarmos perto da fasquia olhamo-nos, medimos a altura da fasquia, interiorizamos que vamos conseguir saltar, que vamos alcançar o nosso objectivo e simplesmente desistimos. Acabamos por descobrir, num escasso segundo, que não conseguimos, que não vamos sequer tentar com o medo de falhar. No caso de não conseguirmos ficaríamos para todo o sempre abalados e não conseguiríamos viver connosco próprios no caso de tamanha falha. Então preferimos ficar na ideia que poderíamos ter conseguido, e com essa simples ideia deixamos de nos preocupar....

- Ou por outro lado, num momento fugaz, ao chegarmos perto da fasquia simplesmente saltamos. E todo o tipo de pensamentos nos assola a mente no momento em que voamos, em breves partículas de segundo vemos tudo o que nos pode acontecer, se caímos para trás, se conseguimos saltar para lá do objectivo... Nunca sabemos o que pode acontecer mas temos a certeza absoluta que vamos fazer tudo para conseguir... Já estamos lá em cima... a barra que nos sustentava já não está mais connosco, mas fez o seu papel e desempenhou-o eficazmente... Nesse momento em que levantamos os pés do chão, só duas situações nos podem acontecer... ou caímos para trás e perdemos o nosso objectivo ou conseguimos ultrapassar a fasquia e concretizamos o sonho. No caso de nos acontecer a primeira situação teremos sempre a certeza que tentámos.... Poderemos encher o peito de orgulho e dizer que fizemos tudo o que nos era possível, que arriscámos mesmo sabendo que poderíamos cair de costas e nunca mais nos levantar.... Arriscámos tudo. Nada mais importa. Se tivermos a destreza suficiente para conseguir ultrapassar a fasquia nada preciso dizer... é o sonho tornado realidade.

E há pouco ouvi uma frase bastante conhecida que me levou a repensar neste desporto que dizia somente: "muitos desistem, poucos fracassam".

O atleta somos nós, a barra os nossos sonhos, a fasquia as barreiras que nos são colocadas... O sonho comanda a vida.... Nada mais!

Vícios...

Não há ninguém que possa dizer que não tem vícios, por muito poucos que sejam há sempre vícios que nos acompanham toda a vida. São quase reflexos condicionados aos quais não nos apercebemos.
Há os que nos corroem e que sabemos que nos destroem e os que simplesmente ignoramos porque não nos são prejudiciais. Há uns dias disseram-me que não há vícios saudáveis, e eu no exacto momento não consegui refutar tal afirmação. Mas levou-me a pensar sobre o assunto durante algum tempo e a procurar alguns vícios nas pessoas que me rodeiam....

Encontrei vícios tão banais como pedir um copo de água com o café, ou mexer o café sem açúcar e vícios menos banais como fumar e cheguei mesmo a encontrar vícios mortais como as drogas. Descobri ainda outro tipo de vício, o vício saudável.
Se o primeiro tipo de vício não é saudável nem prejudicial, visto que é apenas um quase reflexo condicionado que é feito inconscientemente o segundo já leva a um tipo de dependência que não é aceitável. Para quem fuma sabe que do que falo e tem a percepção que é dependente do fumo e muito provavelmente não se importa. No terceiro tipo o problema é bastante mais grave, pois é um tipo de vício que dificilmente se consegue deixar. É um tipo de vicio que nos corroe e que temos a percepção que está a destruir mas não temos forças para o deixar. E mesmo quando temos é quase sempre tarde demais...
Mas é no último tipo de vício que me quero alongar... os vícios saudáveis, que me disseram não existir... Antes de mais alguma coisa temos de ter a noção do que é um vício. Por definição um vicio é algo que nos torna dependentes.
Pessoa era dependente da sua escrita e dos seus sonhos. Se o seu segundo vicio o fez alhear-se da vida o primeiro devolvia-o à realidade. É certo que era uma realidade não experimentada, apenas sonhada. Mas era o vício da escrita que o mantinha vivo, que o fazia mover-se e descobrir-se. Se não fosse esse vicio talvez tivesse sido apenas um indigente... igual a tantos outros... que sonhos todos temos, há é uma linha ténue entre o sonhar e o acreditar no sonho...

Há ainda quem seja viciado em viver, em provar intensamente o sabor da vitória e da derrota, em crescer, evoluir... e encontra nesse vicio o seu único propósito para continuar vivo... e viver é uma droga mais perigosa que qualquer outra mas sem efeitos colaterais... E talvez o vício que todos deveríamos ter...

Quando se fala em vício pensa-se em algo negativo, puramente destruidor... é altura de alargar horizontes...

Frases...

Li há pouco uma frase que dizia "A cidade é um local onde as pessoas se sentem sozinhas em conjunto".
É absolutamente fantástica e puramente verdadeira. A solidão é, muitas vezes, interpretada como um estado em que a pessoa se isola profundamente e se sente deprimida e só. Nada mais errado. A solidão existe sim, mas é sempre "encontrada" quando a pessoa está acompanhada...
É um conceito como o da Felicidade... todos a buscam esquecendo-se sempre que para que a Felicidade seja algo recompensador e digno de ser chamado Felicidade tem de ter sido antecedido de um momento de tristeza. Só assim faz sentido, só assim conseguimos viver esse estado sublime como deveria ser sempre vivido. Quando se está bem não se está feliz nem triste, é o meio-termo que muitas vezes acompanha toda a vida de diversas pessoas.
O estar Feliz é algo tão diferente que pode durar apenas um segundo e ser recordado (como objectivo claro está) para todo o sempre. E é neste contexto que também se enquadra a solidão. Quando a multidão não apraz, a solidão instala-se... é a paz na dor que cria a solidão, não a ausência da multidão...

Mulheres




Do not think that love in order to be genuine has to be extraordinary. What we need is to love without getting tired. Be faithful in small things because it is in them that your strength lies.Mother Teresa

Quando li esta frase, lembrei-me outra mulher, que não percorreu o terras desconhecidas a agir por Amor, mas que percorreu o a Vida de tanta gente, deixando sinais de um Amor incondicional que marcará para sempre quem dele teve a felicidade de beneficiar. Fechei os olhos e quase conseguia ver-nos, outra vez, sentados no sofá, a acenar com um lencinho branco a outra mulher, também ela desta casta rara de seres de imaculada pureza...

quarta-feira, abril 05, 2006

Acasos

Estava à procura de uma imagem que vi há dias num cartaz publicitário e, "por acaso", descobri esta:

Inaccessible Étoile

Escrever. Talvez descansar.

Que vontade de vir aqui descansar as palavras... Deixar-me ficar assim, a olhar para o monitor e a vê-las aparecerem, uma a uma, rasgando a brancura sem sentido, na busca de um sentido ainda menos racional... Deixá-las livres, a dizerem de si, não obedecendo mais que à velocidade dos dedos no teclado... Não pensar, não querer, não fazer nada... Escrever. Escrever por escrever. Escrever para não deixar o mundo invadir a minha privacidade, como tem a mania de fazer. Escrever, só para as palavras poderem ser, pelo menos uma vez, palavras. Escrever para ti, que me lês, mas sem a intenção de ser lida, pois não vou dizer nada. Vou continuar, apenas a escrever. Apetece-me descansar do ritmo tresloucado do comboio da vida. Por isso, escrevo. Escrevo, mas sem voltar para trás, para não correr o risco de reflectir e mudar alguma palavra de lugar. Elas são livres. Só por agora.

Pronto. Acabou-se. Lapso de quem não está habituada a descansar assim: deixei o MSN ligado.

sábado, abril 01, 2006

fronteiras...

O mundo é feito de fronteiras. Insistimos em proteger-nos dos nossos semelhantes com barreiras. Criamos fronteiras para impedir que os povos se misturem, erguimos cercas para que não invadam o nosso espaço. Tentamos, sem sucesso, criar uma redoma de barro para nos protegermos.
Eu não tenho um sonho como Luther King, tenho vários.
E um deles é o exterminio dessas fronteiras que todos os dias se erguem. Mas é um sonho completamente utópico (passo a redundância), a todos os segundos criamos, voluntariamente, tais barreiras. Deixamos de acreditar nas pessoas e acabamos por deixar de acreditar em nós próprios.
Decidimos, como se tivessemos uma sapiência extraordinária, que é melhor transparecer indiferença perante os demais com um medo voraz de nos magoarmos, e passamos os nossos dias assim até descobrirmos que nos magoamos mais ainda na nossa redoma de barro. Mas nada podemos aprender se não o quisermos, o conhecimento não se ensina, dá-se a conhecer.
Projectamos uma solidão que ninguém pode acalmar, é uma porta fechada por nós e da qual somente nós temos a chave. Mas insistimos em deixar a chave no seu devido lugar em vez de a utilizar. Para onde caminha a humanidade? Para uma multidão de autómatos envoltos numa máscara fria e impessoal sem valores, sem "visão", certamente.

Ainda acredito nas pessoas, talvez mais um sonho vão, fruto da minha tenra adolescência, mas acredito que há sempre uma fenda no barro, pronta a ser descoberta, e um ser magnifico no interior desta redoma, à espera de ser encontrado...