Essencial
(L'essentiel est) "tout ce qui ne s'apprend pas, ne s'enseigne pas, ne se juge pas, ne se punit pas." (Jean Cocteau)
Figuras de estilo que sobressaem da eloquência de uma língua como o Francês, é algo que não me deixa indiferente, aliás, é algo que me deixa diferente. Todas as sextas-feiras, a minha disposição é a mesma, preguiçosa, cataléptica, arrastada. A mesma rotina de gestos ausentes: casa-de-banho, casaco, eléctrico (ou carro, no caso de uma abençoada boleia), sala de aula. Procuro um lugar que permita manter-me nesta ausência de mim e aguardo o fim da aula. Aguardo sempre o fim. Novamente o casaco, o eléctrico, a casa. Quase fim-de-semana.
Hoje, ao sentar-me aqui para descrever esta manhã, apercebo-me de que tudo isto não se deve senão a uma falha imperdoável da memória, que apaga os dados recebidos na semana anterior e não deixa réstias do prazer que as tais figuras de estilo, na boca de um mestre de oratória, me têm proporcionado. Perdão ao Sr. Gergely, o mestre. São duas horas de deleite linguístico, de estórias da Revolução Francesa, de Napoleão, dos reis Ingleses ("Le roi anglais a des chaussures, il n'en achète pas!"), das mulheres e homens que enriqueceram, ao longo da história o fluxo de ideias, de estética, de valores da humanidade. Já há poucos mestres assim. Eu não conheço mais nenhum.
Na diversidade de coups de génie que o mestre Gergely seleccionou não tanto para nosso benefício, mas sobretudo para afirmar a posteridade de criações originais e inigualáveis, a arte e o engenho são mais do que simples conceitos. Hoje, a frase que transcrevi acima, ecoou na minha mente, por breves segundos. Reli-a. Sublinhei-a. Trouxe-a para aqui. Não pode ficar esquecida numa página de um livro do autor francês, ou na folha solta do curso de Metodologia da Comunicação Escrita do 3° ano de Informação e Comunicação, na Universidade Livre de Bruxelas. Tem de circular. Tem de ecoar também na tua mente e apropriar-se dos pensamentos de uma sociedade em busca de sentido. Tem de ganhar forma, tornar-se ser, corpo, gesto.
Este essencial a que se refere Cocteau, sem o nomear, não é mais que o horizonte a que a nossa natureza humana aspira, mas que parece afastar-se cada vez mais, até se tornar ilusão ou até cair no esquecimento. Entorpecidos pelo brilho dos placards, drogados por noções outrora desconhecidas (inúteis?) como globalização, poder de compra, competitividade; assim viramos as costas a esse essencial e cometemos a incoerência recorrente de o procurar nos livros, nas teses, nas bocas de experts, de políticos ou de qualquer outra personagem sob as luzes da ribalta. Tornamo-nos ainda mais frenéticos. É preciso fazer tudo, aproveitar tudo, conhecer tudo. Escolhas? Não há tempo! Excessos? Médicos especialistas, clínicas de stress, spa's. O outro? Que outro? Os verbos passaram a conjugar-se na primeira pessoa, apenas. E não, não é responsabilidade de um monstro chamado Inglês!
O essencial é tudo o que não se aprende, não se ensina, não se julga, não se pune. O eco destas palavras, na minha mente, continua a ser Amor. Mas, também poderia ser Verdade, Respeito, Sinceridade, Solidariedade...
(na caixinha de comentários, deixa também o teu horizonte! É assim que os diferentes fragmentos que és tu, sou eu, são os outros, vão compondo a bela melodia da Vida!)