terça-feira, novembro 06, 2007

Da minha Vida

Dou-te a mão e deixo-me ficar, deitada sobre a humidade macia e amarela das folhas de Outono que nos ensopam as roupas. Seguimos com o olhar a trajectória de um pássaro azul e preto que atravessa os ramos das árvores que se despiram para nos receber, neste festim erótico de luz que se esconde, quando parecemos alcançá-la; de calor que emana das cores que nos abraçam e nos atiram ao chão, pra abraçar-nos ainda com mais força. Nos ouvidos, o silêncio. No olhar, o espectáculo da Vida antes da vida, aquela em que ainda não ousámos penetrar. Contemplá-la assim, virgem, pura, verdadeira , é sermos parte dela, é sentir a força das raízes que nos prendem à origem de tudo. E ser feliz.
Amar-te. Nada mais.
Voltamos a dar a mão. Já não somos um, mas dois. Já não és aquele que foi, há instantes, mas aquele que sempre foste. Mudamos de cenário e olhamos em frente. Um écrã de cinema. Imagens a preto-e-branco. Legendas a branco e preto. Não percebemos nada. Mas o nosso encontro vale a pena. Apetece-me sair desta sala, voltar a correr a teu lado e a chorar no teu ombro, mas sei que é preciso ver o filme até ao fim. Compreendê-lo, talvez. Mas aguentar até ao seu desfecho. Depois, talvez possa voltar a vestir o meu vestido de bombazina azul e correr atrás de ti, vestido da mesma cor e do mesmo tecido. Diminuir o teu nome e acariciar-te o rosto quando a gata Lobito voltar a fugir. Contar lagartixas mortas à pedrada e ganhar-te em bravura. Sentar-me a teu lado a descascar feijão ou simplesmente a ver-te andar de bicicleta, sem rodinhas. Abraçar-te quando o cheiro das flores voltar a confundir-se com o cheiro da morte. Depois, quero sorrir-te e sair desta sala também. Deixar este filme guardado numa prateleira do sótão e revê-lo sempre que a janela se abrir para um girassol entrar, no bico de um pássaro chamado Saudade.