sexta-feira, março 31, 2006

Frase dos Dias

Age de forma a tratar tão bem a tua humanidade como a dos outros, sempre como um fim e não simplesmente como um meio. Immanuel Kant

quinta-feira, março 30, 2006

Arte... arte; Vida... vida

O mundo da representação (aqui refiro-me ao teatro, enquanto actividade profissional) é capaz de ser o mais verdadeiro de todos os mundos. Hoje, assisti a um documentário que me fez pensar, mais uma vez, em como somos constantemente enganados e apanhados nas teias da outra representação, de forma voluntária e despreocupada. Choramos por algo que não aconteceu, prometemos mundos e fundos e nem sabemos o que significam estes dois vocábulos, somos vítimas e culpados em simultâneo, neste palco que é a vida, mas não a Vida com V maiúsculo - esta, quem dera que pudéssemos, pelo menos, vislumbrá-la! - mas a vida vidinha, aquela que criamos com os nossos prórios sentidos, esquecendo que há sempre alguém do outro lado, no limite da nossa acção, a sofrer as consequências do que fazemos. Às vezes, esse alguém somos nós mesmos, é a tal Vida!
Neste novo mundo da informação que, pouco a pouco, tem invadido a minha vidinha e, quem sabe, tocado na Vida, por vezes, deparo-me com títulos como Os Intelectuais já não têm lugar na sociedade. E o pior é que estes jornalistas até têm razão! Ser intelectual é ridículo, pois essa atitude pressupõe o contacto com realidades que já não cabem no ritmo alucinante do nosso quotidiano. O que é que Descartes, Kant ou Habermas podem trazer-me de bom? Dá lucro? O quê, pensamentos? Tenho lá tempo para isso!
No início, falava do teatro, mas acabei de lembrar-me que até podia ter falado de qualquer outro tipo de arte, ou melhor, de Arte, pois não quero confusões com o que por aí se faz e que, vergonhosamente, também é chamado de arte (considerações para um próximo ataque de irritação). Voltando à Arte. Pois é, se observarmos o que ainda se faz neste campo hoje em dia, percebemos claramente a fuga de potenciais intelectuais, quando não o mal-estar de alguns calcados pela sociedade. A Arte contemporânea é um exemplo da doença que nos contaminou, no início do século XX e que continua a contaminar-nos, infelizmente, o século XXI. Mas, pelo menos, esses (os Artistas) encontraram uma saída, uma fuga, uma forma mais ou menos estética de nos dizerem, Estou-me nas tintas para estas obrigações sociais. Aqui há um ano atrás, falei com um pintor destes. Alucinado, com gana de percorrer o mundo a pé, mochila às costas, ultrapassando fronteiras geográficas e humanas; um ser excepcional, mas que só tinha aquele corpo para exprimir-se e, o que é pior, todo um contexto ocidental que não lhe permitiria (por mais rebelde que fosse) de ír para além do convencionalmente aceite.
Fico aqui a pensar o que será de nós, que nem para Artistas servimos...

terça-feira, março 28, 2006

A Cidade à noite

Era já noite cerrada quando decidi sair.
A primavera começava a dar os primeiros sinais de estar a aparecer o que transformava o frio da noite numa brisa agradável. O centro da cidade num silêncio desconcertante deixava-me ouvir os meus passos apressados.
Atravessava uma das principais ruas da capital, onde durante o dia as pessoas se atropelam por um lugar nas lojas, por esta ou aquela preciosidade a bom preço.
As crianças correm e gritam por uma guloseima deixando as mães num estado furioso. Os vendedores ambulantes apregoam os seus produtos como se fossem especiarias. O rebuliço. A multidão. O som. O cheiro.
A rua, durante o dia, ganha vida própria e até as pedras da calçada fazem barulho como que a tentarem mostrar ao turista menos atento a arte que está inscrita nelas.

De noite o ambiente é diferente. Consegue-se ouvir o som do vento a roçar nos caixotes do lixo ainda cheios, a estrada coberta com papeis de guloseimas, as paredes mal caiadas que se afundam numa sombra desolante.
E eles.
Envoltos num cartão já sujo procuram um pouco de sossego para dormirem, tapando a cara numa vergonha desmedida e numa tentativa vã de não serem acordados com os faróis dos carros que por ali, eventualmente, passem.

São pessoas, frutos da nossa civilização estonteante, perdidos por vícios ou por uma má sorte, pedaços de uma multidão que os deixa invisiveis à luz do dia. Somente pela noite se tornam visiveis a quem quiser ver. Ninguém quer. Os demais que por ali passem remetem-se a um silêncio, talvez maior que o da própria rua, baixando a cabeça como se não prestassem atenção ao que por ali se passa. E seguem, sem pensar, a sua vida. Foram ensinados a não prestar atenção, a terem pena, a seguirem o trajecto sem se aperceberem. E cumprem meticulosamente essas instruções.
Apressam-se a atravessar a rua para o outro lado, com um medo voraz de se lhes ser transmitida alguma doença. E prosseguem...

Quando amanhece desaparecem os cartões sujos com pessoas debaixo, esvaziam-se os caixotes e apanham-se os papeis. Tudo volta ao mesmo ciclo. Ao som. Ao cheiro. À vida. Mas as pessoas que por ali permanecem à noite debaixo dos cartões sujos não desapareceram... apenas se tornaram invisiveis... ou pensando bem... nunca deixaram de o ser...

Um dia na praia

Um dia, houve um grande banquete. Era o casamento real. Convidaram-se as estrelas do mar e as estrelas do céu; convidaram-se o vento e as nuvens; vieram também a areia da praia e as rochas, enfeitadas de lindas conchas e seixos coloridos. Todos os convidados chegaram à hora marcada, munidos de ricos presentes para os noivos. Tornava-se difícil caminhar entre os pacotes embrulhados em papéis brilhantes e longas fitas douradas, prateadas e vermelhas, contendo presentes tão originais e raros, como boa sorte, felicidade e amizade eterna. Todos queriam oferecer o melhor presente, mas ninguém conseguia decidir se a boa sorte, trazida pelo vento, era melhor que a felicidade, oferta das estrelas do céu. E o que dizer da amizade eterna, que as nuvens haviam decidido de oferecer ao casal? Enfim, todos os presentes contribuiriam para tornar a união real maravilhosa e eternamente feliz.
Esperava-se, então, a chegada dos noivos. Junto ao altar, sereias de cabelos cor-de-rosa entoavam cânticos matrimoniais, enquanto golfinhos sorridentes executavam a dança do Amor. Os padrinhos, prontos para abençoar esta união, aguardavam silenciosa e compenetradamente os futuros afilhados, prestes a celebrar o momento mágico que se tornaria num momento perpetuado a cada minuto da vida futura do casal. Vestido de azul, sóbrio, imponente como habitualmente, o mar dava o braço à madrinha, deixando que as ondas do seu melhor fato bailassem, deixando vislumbrar riquíssimas sedas vindas de longe e executadas com a melhor espuma do reino. A madrinha, orgulhosa, trazia um vestido bege, todo ele reflectindo luz e magia. De sorriso enigmático, a Lua pousava para os flashes que o céu negro daquela noite mágica não parava de disparar, muito concentrado no seu trabalho de fotógrafo exclusivo do evento.

Tudo estava pronto. Os noivos, como era tradição, chegariam juntos. O sim que consumaria o acto matrimonial deveria ser pronunciado também em simultâneo e a promessa de Amor e fidelidade eternos seria feita aos padrinhos que, enquanto anciãos do reino, eram os únicos a poder confirmar este desejo mútuo do casal.

Finalmente, sentiu-se o fru-fru dos folhos do vestido da areia da praia. Ao longe, avistava-se já a carruagem dos noivos, puxada por quatros majestosos cavalos marinhos. Já na praia, os noivos desceram da carruagem, ajudados por um jovem peixe-pagem e caminharam, exibindo um sorriso feliz, sobre o tapete de pétalas de rosa vermelhas, preparado na noite anterior pelo vento e pela brisa.
Estavam encantadores. A beleza deste casamento estava no contraste entre os dois, unidos num Amor que não compreendiam, mas que aceitavam, pois o destino deles era aquele. Ele, alto, decidido, com um sorriso de menino e pele morena como a noite, Amava-a mais do que à própria vida. Ela, protegida ao seu lado, indecisa, mas ingénua, com um sorriso de menina e pele branca como o dia, Amava-o, mas não sabia.
Tinham-se conhecido naquela praia. Num momento de loucura, amaram-se sobre a areia quente daquela noite de Verão e ficaram condenados ao casamento, pois tinham sido observados pela malícia de um passageiro fortuito.
Agora, a praia preparava-se para acolhê-los, mais uma vez. Ela queria fugir dali. Ele queria-a ao seu lado. Mas, Amavam-se. Amavam-se, para além do Amor. Ela tinha medo. Ele não. Mas Amavam-se.

Já se passaram alguns anos depois do casamento real. A vida dos dois amantes tornou-se difícil, com o passar do tempo. Não sabem porquê, mas desconfiam. Ela aconselhou-se com a madrinha, que a convidou a passar algum tempo com ela. Nesta estadia em casa da Lua, ela descobriu que o verdadeiro Amor não aceita o medo. A madrinha ensinou-lhe a desbravar o terreno das incertezas, das lutas internas e da desconfiança, para que aí possam crescer lindas papoilas vermelhas, como o Amor. Este Amor que ela sentia, mas que não sabia desmonstrar. Este Amor por aquele sorriso de menino que deixou de mostrar-se. Este Amor por aquela pele morena, cor da noite; noite onde se Amaram pela primeira vez. Ela aprendeu e quis voltar para junto dele, dizer-lhe o quanto o Amava e pedir-lhe perdão.
Mas, ao regressar ao palácio, ele já lá não estava.

A praia ainda lá está... Debaixo da areia da praia, varrida tantas vezes pelo vento, ainda estão os restos do banquete real - sonhos, projectos e desejos em comum... O mar tornou-se distante, já nem fala com as rochas que, ao longo da praia, também deixaram de sorrir. As estrelas do mar desapareceram e as estrelas do céu já quase não brilham. A Lua fechou-se em casa. Às vezes aparece, mas espreitando pela abertura da porta, mas nunca mais ninguém a viu cheia, tão plena de luz como antes.
A praia encheu-se de tristeza.
O coração dela também.
Dele, nada se sabe.

Voltará o sol ainda a brilhar naquele reino?

sexta-feira, março 17, 2006

E se ousássemos?

A aprendizagem da vida é capaz de ser o maior desafio da própria vida. Aprendemos a andar, a falar, a exigir o que queremos. Mais tarde, aprendemos a ler, a escrever, a contar e a contar histórias. Ainda um pouco mais tarde, aprendemos que estas histórias podem servir-nos a criar a nossa dimensão alternativa, para onde poderemos fugir quando a vida tenta acordar-nos. Às vezes, porém, quando a vemos espreitar pela janela, como uma criança endiabrada, procuramos a porta da nossa dimensão, para fugirmos o mais depressa possível, mas com a atrapalhação, já nem sabemos onde a deixámos. Isso porque esta dimensão é criada por nós, é fictícia e apenas se move quando a fazemos mover. A vida, não. Ela obriga-nos a correr à chuva e a queimar a pele debaixo de um sol ardente. Mas, também é a vida que nos dá as árvores para nos abrigarmos e a água do mar para nos refrescarmos. Mesmo assim, preferimos não correr riscos e deixamo-nos estar na nossa dimensão a explorar a única faceta de nós mesmos que conseguimos controlar: se gostamos de escrever, escrevemos até à exaustão, mesmo quando temos fome, sede, ou vontade de ír ao cinema; se gostamos de conversar, falamos durante horas a fio, sem nos apercebermos que a pessoa à nossa frente já adormeceu; se temos trabalho, afundamo-nos nele, com medo de telefonar a alguém que está do outro lado do mundo, colado ao telefone, à espera do nosso sinal para ser feliz. Mas, é muito mais fácil estar nesta dimensão, pois o que fazemos, fazemos bem, mesmo que seja pouco. Dar a mão à vida e deixarmo-nos ír na grande montanha-russa é demais. Há o olhar reprovador dos outros, as regras sociais, as nossas inseguranças, a inércia. Tantas barreiras! Para quê? Mais vale ficar aqui sentado, a lêr o meu livro porque, pelo menos, ele não me faz perguntas. Mas, também não nos dá respostas, se tivermos medo de fazer as perguntas.

E se ousássemos?

quinta-feira, março 16, 2006

uma menina...

Conheci um dia uma menina.
Era pequenina e rechonchuda como todas as crianças amadas e alegres. De faces rosadas fazia traquinisses durante todo o dia e depois, inocentemente, fazia uma expressão de anjo que ninguém resistia. E essa menina foi crescendo, dia após dia, transmitindo alegria e paz a quem a rodeava.
A menina tornou-se adolescente e conquistou o seu próprio espaço no mundo, distinguiu amigos de conhecidos, apaixonou-se e fez loucuras. Distribuia alegria e um pouco de si com quem se cruzava, entregou-se a projectos e a sonhos.
Na flor da juventude acreditou em ideais utópicos. Partilhou de sonhos que não lhe pertenciam, arriscou-se por eles, mesmo sem acreditar plenamente nos seus fundamentos. Distribuia sorrisos e uma palavra fraterna sem condicionalismos. Acarinhada pelos habitantes do mundo, deixou-se levar pela alegria.
Mas à noite, no frio de um quarto branco, chorava. À noite não se refugiava num abraço sentido ou em uma palavra feliz. Quando o silêncio chegava sentia-se só. Partilhava de sonhos que não lhe pertenciam e tinha deixado morrer os seus. Ninguém se apercebia. A máscara que envergava era gélida e pálida mas tinha um sorriso pintado. Para os demais era o que bastava.
A adolescente um dia cresceu, e numa manhã solarenga acordou para um mundo que já não a satisfazia. A almofada ainda molhada da noite anterior mostrava-lhe as réstias de si própria. Não havia como fugir, não adiantava mais. Nunca se conseguiria perdoar.
E num gesto rasgado bateu com a porta. Colocou sonhos e lágrimas numa só balança. Pesaram mais os sonhos. Construiu durante algum tempo uma caixinha cor-de-rosa para colocar o seu coração enquanto decidia se as nuvens seriam suficientes para a sustentar.
Deixou a racionalidade que lhe era caracteristica agir. Largou o seu mundo e a ilusão de o conseguir mudar. Os amigos e os amores. A paz e o lar. Voou para um destino incerto entre lágrimas e confiança. Já não tinha a certeza de as nuvens a conseguirem sustentar, e, durante instantes, pediu para regressar.
Não regressou.
Havia algures uma Estrela que lhe indicava o caminho. Com o passar dos tempos a menina-mulher conseguiu abrir a caixinha cor-de-rosa e voltar a colocar o coração no seu devido lugar. Empenhou-se em si e descobriu novos horizontes para si própria. Havia sempre uma raiz no seu devido lugar, isso bastava-lhe para que avançasse.
Hoje essa mulher tem sonhos e realidades, tem o mundo e concede aos demais um espaço nele. Hoje essa menina transmite paz, alegria e confiança a quem com ela se cruza. Hoje essa menina-mulher ainda chora por amor e fica com as faces rosadas quando faz traquinisses.
Hoje é o meu exemplo! Hoje sei que estaremos Sempre Unidos. Hoje sei porque existem Mundos em Paralelo... E hoje...hoje enviou-me um Girassol...

quarta-feira, março 15, 2006

Como...?

Como é que se arranca uma profunda tristeza de dentro de nós, sem fazermos o mundo estremecer? Como é que se sorri pela manhã, depois de uma noite em claro, pensando em alguém que significava tanto e que nos magoou outro tanto? Como é que se evita chorar, quando as urgências quotidianas nos obrigam a esquecermos o coração e a concentrarmo-nos no cérebro? Como é que se continua a fazer parte desta realidade hipócrita, quando tudo o que buscamos é a sinceridade e um pouco de Amor? Como é que não desistimos de lutar, quando a tempestade desaba em cima de nós? Como é que aprendemos a viver, se lemos milhares de livros, mas a realidade ainda continua a surpreender-nos?

Esta noite trouxe-me estas questões. A manhã, as lágrimas e o coração partido. Talvez amanhã, aprenda.

terça-feira, março 14, 2006

Il faut savoir

Foi o meu primeiro concerto na Bélgica. Grande senhor da música francesa que, também eu, aprendi a amar. Com momentos daqui e daí, continuamos em paralelo...

Charles Aznavour canta assim:


Il faut savoir encore sourire
Quand le meilleur s'est retiré
Et qu'il ne reste que le pire
Dans une vie bête à pleurer

Il faut savoir, coûte que coûte
Garder toute sa dignité
Et malgré ce qu'il nous en coûte
S'en aller sans se retourner

Face au destin qui nous désarme
Et devant le bonheur perdu
Il faut savoir cacher ses larmes
Mais moi, mon cœur, je n'ai pas su

Il faut savoir quitter la table
Lorsque l'amour est desservi
Sans s'accrocher l'air pitoyable
Mais partir sans faire de bruit

Il faut savoir cacher sa peine
Sous le masque de tous les jours
Et retenir les cris de haine
Qui sont les derniers mots d'amour

Il faut savoir rester de glace
Et taire un cœur qui meurt déjà
Il faut savoir garder la face
Mais moi, mon cœur, je t'aime trop

Mais moi, je ne peux pas
Il faut savoir mais moi
Je ne sais pas...


Quem sabe, afinal?

segunda-feira, março 13, 2006

Sempre as Estrelas...

Parei por instantes para pensar e perdi-me em instantes eternos a observar as linhas imaginárias de um céu estrelado. Tracei rotas e constelações sem me aperceber, descobri que o céu é composto por uma desordem organizada. É algo que nos transcende e fascina. Divaguei num silêncio reconfortante, pensamentos recorrentes, memórias inventadas e outras tantas passadas.

E elas observaram-me também, como se quisessem escutar. Contei-lhes então em voz alta como foram pintadas. Não foram precisas palavras, elas não esquecem.
O céu que observo não é azul,mas foi pintado a quatro mãos e está sempre estrelado.

A janela que me liga ao mundo está aberta, a luz que se vê não é a da Lua, o brilho de duas Estrelas lá bem no alto não a deixa luzir...
São elas que me indicam tantas vezes o caminho... sempre as Estrelas...

Estrelas

Finalmente, o céu azul em Bruxelas. Sabes há quanto tempo é que não via as estrelas? Elas fazem-me falta! Mas, como o nosso destino é a tristeza, mesmo se por vezes andamos ludibriados com a alegria (ah, e que doce engano!), acabei por sentir mais falta delas ontem à noite, quando as vi. Somos ínfimos neste mundo de gigantes; precisamos uns dos outros; viver com a presença constante da ausência de alguém é tão difícil!

O que vale é que o mundo é feito de imagens e, como tantas outras, restam-nos as estrelas, pequenos pontinhos luminosos no céu que representam tanto, tanto...

quinta-feira, março 09, 2006

lições de trazer por casa...

Levantei o meu pequeno anjo e deixei-a por momentos lá bem no alto. Sussurrei-lhe ao ouvido - vais ser grande. Certamente não compreendeu onde eu queria chegar mas gostou. Pediu-me uma segunda vez e uma terceira. Toda a gente gosta de voar, mesmo que apoiada. Chamou a atenção de todas as vezes que levantou os pés do chão. Não a obteve. Nem uma única vez. Não desanimou nem por um escasso segundo.
Deu-me uma lição de vida em breves momentos.
Algo que recordarei certamente.
Sentei-a então no meu colo e no meio da euforia partilhei com ela alguns dos males do mundo. Não lhe ensinei nada, não era esse o objectivo. As pessoas aprendem sozinhas os males do mundo, infelizmente. A sala não era só nossa, mas do outro lado um dos males do mundo tinha-se materializado e não estava connosco. Não dei importância, o voo é um sonho solitário e ninguém consegue compreender, ninguém acredita. Só quem voa. Essa lição tinha aprendido há poucos segundos com o meu pequeno anjo.
Mostrei-lhe então uma moeda pequena e outra maior. Pedi-lhe que escolhesse uma e que a guardasse com ela. Poderia escolher uma qualquer. Inteligente como é virou as moedas e descobriu o seu valor. A pequena era mais valiosa. Sorriu. Pensou ter descoberto o segredo. Tinha-me ludibriado e estava radiante. Soltava gargalhadas puras e inocentes.
E sem mais escolheu a maior.
Tinha a plena consciência que a mais pequena era mais valiosa, mas escolheu a maior. Por momentos caí na realidade e assumi que devido à sua tenra idade escolhia sempre a coisa maior, independentemente do valor. Perguntei-lhe. Respondeu-me com um sorriso rasgado que não a iria gastar, que seria para guardar, e que como tal, eu ficaria com a de maior valor para lhe poder comprar uma prenda.
Perfeito.
O meu pequeno anjo já sabia a lição antes de eu tentar explicar. Conclui-lhe apenas em palavras serenas que o dinheiro é muito pouco importante, mas que, actualmente e infelizmente, compra o mundo. Repetiu todas as palavras sem um pestanejar.
E como se partilhasse do meu fio condutor e me conseguisse ler nos olhos o que eu diria a seguir exclamou -Hoje ninguém me ligou nenhuma!.
Sorri, mas não fui capaz de lhe mostrar o segundo grande mal do mundo. Não lhe conseguiria explicar que quando crescer vai entrar numa sociedade virada para dentro. Para o próprio umbigo. Não fui capaz de destruir um grande sorriso com a realidade nua e crua que nos rodeia. Levei-a novamente a voar e soltei gargalhadas conjuntas sem sentido.
Talvez um dia ela partilhe o sonho de outras duas almas que por cá andam em mundos em paralelo... talvez um dia também acredite nas pessoas... incondicionalmente.
Talvez seja genético!

Ser Mulher... Ser Invencível?

Como hoje já é dia 9, apetece-me escrever sobre a mulher. Inventaram o dia de ontem para isso, mas não nos explicaram o que devemos fazer no nosso dia. Por isso, e como este dia me deixa um pouco confusa, pois não sei se hei-de celebrá-lo ou censurá-lo, escrevo hoje sobre a mulher, para não caír em mecanismos publicitários. Hoje, pensei sobre a mulher, pois pensei na beleza. Como mulher, sei a importância da beleza na sociedade actual, mas surpreende-me que essa beleza não sirva o verdadeiro papel da mulher na sociedade, mas antes o desejo de passar despercebida ou totalmente percebida. A beleza disfarçada de maquilhagem ou de um lindo vestido constituía uma arma feminina, há algumas décadas atrás. Hoje em dia, é tão normal como o telemóvel ou a carteira. Sem a beleza assim disfarçada, não podemos saír de casa. Porquê? Para quê? A resposta a estas questões não tem nada de fútil ou de acessório. Basta reparar na sociedade actual. A aparência é o mais importante e, quando nos disfarçamos de mulheres fatais, escondemos muitas vezes inseguranças, medos, incertezas. Somos umas vaidosas, nós Portuguesas, mas também somos as mais tradicionais. Não é estranho? A falta de realização pessoal ainda presente em tantos destinos femininos no nosso país constitui uma das grandes causas desta mascarada diária. Não é só futilidade. Na maior parte das vezes, nem sabemos o que isso é. Ser mulher, afinal, não é nada fácil. Exigiram-nos duras provas ao longo da história, fomos Padeiras de Aljubarrota, Inêses de Castro, Donas Rosalinas, Tias Cinhas, Rainhas, Escravas, Mães, Filhas, Netas... Mas fomos. E, hoje, o que somos? Onde está o sorriso tímido e o olhar disfarçado? Onde estão as faces coradas? Onde está a frescura da adolescência nas nossas adolescentes? Onde está a ingenuidade? Nada disso! Somos mulheres, mas não somos o sexo fraco! Vamos lutar pela igualdade de direitos no trabalho, em casa, na família e na sociedade em geral! Vamos bradar aos céus que somos boas! Arregacemos as mangas, mulheres do futuro, vamos mostrar que não precisamos dos homens para nada! O que é acontece? O que é que aconteceu? Transformámos a nossa feminilidade em algo parecido com a masculinidade. Deixámos de ser mulheres, para deixarmos de ser fracas. Agora, para provarmos que ainda temos algo de feminino em nós, andamos com cores berrantes, a cara pintada e um letreiro nas costas: AJUDEM-ME!

Tenho muito orgulho em ser mulher. Mas, também me sentiria orgulhosa, se fosse homem. O que importa é a complementaridade perfeita entre os dois. Assim como a maquilhagem, o mundo está cheio de outras máscaras. Já não se confia em ninguém. Nasce-se com um destino: o de provar que se é bom (onde é que eu já ouvi isto?). Para isso, guardemos os sentimentos para mais tarde. Façamos o nosso papel de mulheres e homens de ferro e continuemos. O futuro está aí, à nossa frente, à nossa espera. O que acabou de acontecer há um minuto? Passado, não interessa! É por isso que cometemos vezes e vezes sem conta os mesmos erros. Esquecemo-nos que temos um passado. E depois chegam os dias 8 de Março e estendemos a bandeira: SOU MULHER! Mas, e antes do dia 8? E depois do dia 8?

Será que o dia 8 é, afinal, o único dia do ano para sermos mulheres? O que andamos a fazer o resto do ano?

Voltemos a Eva e descubramos nela a origem da riqueza que possuímos em sermos mulheres. Adão e Eva. Dois. Um só. Sem mais nada.

terça-feira, março 07, 2006

Raízes desenraízadas

Lá fora, cai a neve. Branca. Leve. Parece algodão. Bate leve, levemente, como quem chama por mim. Será chuva? Será gente? Gente não é com certeza e a chuva não bate assim. Talvez fosse a neve, afinal. Mas, como tive de esperar ainda cerca de dezasseis anos para ver caír a neve... Naquele tempo, não sabia que era a neve que batia assim. Hoje, sei. Mas, também aprendi tantas outras coisas. Se me fosse possível escrever sobre tudo o que tenho aprendido, o Dicionário da Língua Portuguesa mais completo não teria palavras suficientes para descrever tudo. Pois há coisas que não podem ser exprimidas pelo código linguístico. Hoje, ouvi que Montagne dizia que, no momento em que escrevemos sobre o que sentimos ou pensámos, já nos estamos a traír, pois já é o sentimento ou pensamento de outro eu que estamos a traduzir. O eu que sentiu ou pensou morreu no mesmo momento em que sentiu ou pensou. Talvez seja assim mesmo, pois só isso explica as nossas incoerências e aquelas, mais abrangentes e dolorosas, que são as do mundo. Por exemplo, nascemos no seio de uma família. "Que lindo bebé!" Amam-nos, querem o nosso bem, é o que dizem. Será? Como estou para os filósofos, Peter Sloterdijk dizia que a educação é uma prisão, em que determinadas obras e regras de conduta se tornam obrigatórias para que o indivíduo seja aceite na sociedade. Mas, para que seja aceite, é preciso ser capaz, é preciso passar em todos (ou, pelo menos, na maioria) dos testes. Depois, se passou nos testes, põe-se a escrever e a criar novas regras para prender os indíviduos que nascerão em breve ou os outros, que já tendo nascido, ainda não são considerados pessoas. Afinal, será mesmo Amor, o que úne uma mãe a um filho? Ou será apenas uma obrigação, primeiro, e depois uma prova dada ao mundo de que é capaz de educar uma criança? Se assim não é, porque seremos sempre obrigados a dar o nosso melhor, mesmo se não o sabemos fazer? Para estarmos mais protegidos? Contra quê? Não estamos protegidos! Continuamos a sentir a neve a bater. Continuamos a sofrer. Continuamos a procurar respostas onde só existem perguntas. E, depois, quando não somos os melhores, ficamos com aquele sentimento de culpa. "Porque é que não fomos capazes?" "Programaram-nos para isso!" "A culpa é nossa!" Um dia, acordamos. Mandamos as culpas para o inferno e decidimos ser felizes. Dizemos que somos capazes, acreditamos. As culpas voltam sempre, é verdade. É difícil desprogramar. Mas, aqui reside a minha dúvida: algum dia partirão para sempre? Depende de quê? Depende de quem? No fundo de nós, existe a verdade absoluta. Mas, somos dotados de uma estrutura cognitiva marcada por toda a nossa experiência. Como apagar os dados introduzidos? Oh, maravilhosa era da tecnologia que não serves para o que realmente deverias servir!

No fundo de mim, eu até acredito que podemos desprogramar-nos. Mas, há momentos assim.

sábado, março 04, 2006

sintonias

Há pessoas que entram em sintonia connosco sem se aperceberem, ou tentamos nós que entrem sem nos apercebermos. A janela que se abre tem uma pequena inscrição "Vai onde te leva o Coração". Perfeito.
Procuro ávidamente um livro, que sei que existe, com esse mesmo titulo. Faço as páginas deslizar como pequenos pedaços de seda. Uma atrás da outra. Procuro uma página em especial, eu sei que ela existe. Encontro. Não tem uma boa entrevista, nem sequer uma noticia com e-mails enviados para o futuro. Mesmo assim leio e releio. A vida tem destas coisas. Posso chamar-lhe coincidências? Triste desengano ou explicação sem fundamento.
Vai onde te leva o Coração da Susanna Tamaro:
"E quando á tua frente se abrirem muitos estradas e não souberes a que hás-de escolher, não metas por uma ao acaso, senta-te e espera. Respira com a mesma tranquilidade confiante com que respiraste no dia em que vieste ao mundo, e sem deixares que nada te distraia, espera e volta a esperar. Fica quieta, em silêncio, e ouve o teu coração. Quando ele te falar, levanta-te e VAI ONDE O TEU CORAÇAO TE LEVAR."
Afinal eu já li em qualquer lado que o mundo é redondo...

Problema de expressão

Só pra dizer que te Amo,
Nem sempre encontro o melhor termo,
Nem sempre escolho o melhor modo.

Devia ser como no cinema,
A língua inglesa fica sempre bem
E nunca atraiçoa ninguém.

O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.

Só pra dizer que te Amo
Não sei porquê este embaraço
Que mais parece que só te estimo.

E até no momento em que digo que não quero
E o que sinto por ti são coisas confusas
E até parece que estou a mentir,
As palavras custam a sair,
Não digo o que estou a sentir,
Digo o contrário do que estou a sentir.

O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.

E é tão difícil dizer amor,
É bem melhor dizê-lo a cantar.
Por isso esta noite, fiz esta canção,
Para resolver o meu problema de expressão,
Pra ficar mais perto, bem mais de perto.
Ficar mais perto, bem mais de perto.
Clã

sexta-feira, março 03, 2006

O Bom Rebelde

Vi pela segunda vez o filme O Bom Rebelde. Muito bom. Resume a vida de alguém que sai da impossibilidade absoluta de se realizar para uma realização absolutamente exterior aos padrões ditos "normais" da sociedade actual.

Soube, após os litros de lágrimas derramados, que também aguardo que me digas um dia: Tenho de ír vêr de mim.

quinta-feira, março 02, 2006

sempre o Silêncio

Três da manha.
O táxi desliza pela avenida, lá dentro um silêncio ensurcedor que não deixa respirar. Os pensamentos recorrentes e as palavras sempre ausentes.
- Pare aqui, por favor, pede a rapariga, e num gesto preciso reencontra o frio da noite. Apetece-lhe andar. Pensar. Ele segue-a e pede-lhe que pare. Rasgam-se lágrimas e corações no centro da cidade.
O silêncio quebra-se.
Já bebidos e fumados e agora também já perdidos num rua qualquer trocam gritos e insultos. Sentem-se despedaçãr. Ele quer dinheiro, ela respeito. Ele ambiciona poder, ela Amor. Envolvem-se num abraço sincero mas sabem que é o fim. São tão iguais e tão diferentes que os confunde. Quebra-se uma amarra e um coração partilhado por dois. Já foram um. Agora não. Revivem momentos do passado, em pensamentos fugazes e decidem que ainda vale a pena. Há algo que os une e que não compreendem.
São demasiadamente orgulhosos para que pronunciem uma única palavra. E partem assim. Ele para a esquerda, ela para a direita. Não trocam olhares. Só lágrimas. O som de uma canção que os aproximou tem agora outra melodia. O silêncio instala-se. São agora dois.
Sem rumo.
Sem motivo para viver.
Apenas sobreviver.

Hoje reencontraram-se, a mistica que os envolve não se dissipou nunca. Ele casou, ela quase. Trocam sorrisos cumplices e uma ou duas palavras sinceras. O medo de fazer renascer o passado é intenso. Ele não está feliz, apenas quer respeito e um pouco de Amor. Ela desistiu da vida e apenas quer dinheiro e algum poder.
Afinal eles eram iguais.
Em tempos diferentes.