A Cidade à noite
Era já noite cerrada quando decidi sair.
A primavera começava a dar os primeiros sinais de estar a aparecer o que transformava o frio da noite numa brisa agradável. O centro da cidade num silêncio desconcertante deixava-me ouvir os meus passos apressados.
Atravessava uma das principais ruas da capital, onde durante o dia as pessoas se atropelam por um lugar nas lojas, por esta ou aquela preciosidade a bom preço.
As crianças correm e gritam por uma guloseima deixando as mães num estado furioso. Os vendedores ambulantes apregoam os seus produtos como se fossem especiarias. O rebuliço. A multidão. O som. O cheiro.
As crianças correm e gritam por uma guloseima deixando as mães num estado furioso. Os vendedores ambulantes apregoam os seus produtos como se fossem especiarias. O rebuliço. A multidão. O som. O cheiro.
A rua, durante o dia, ganha vida própria e até as pedras da calçada fazem barulho como que a tentarem mostrar ao turista menos atento a arte que está inscrita nelas.
De noite o ambiente é diferente. Consegue-se ouvir o som do vento a roçar nos caixotes do lixo ainda cheios, a estrada coberta com papeis de guloseimas, as paredes mal caiadas que se afundam numa sombra desolante.
E eles.
Envoltos num cartão já sujo procuram um pouco de sossego para dormirem, tapando a cara numa vergonha desmedida e numa tentativa vã de não serem acordados com os faróis dos carros que por ali, eventualmente, passem.
São pessoas, frutos da nossa civilização estonteante, perdidos por vícios ou por uma má sorte, pedaços de uma multidão que os deixa invisiveis à luz do dia. Somente pela noite se tornam visiveis a quem quiser ver. Ninguém quer. Os demais que por ali passem remetem-se a um silêncio, talvez maior que o da própria rua, baixando a cabeça como se não prestassem atenção ao que por ali se passa. E seguem, sem pensar, a sua vida. Foram ensinados a não prestar atenção, a terem pena, a seguirem o trajecto sem se aperceberem. E cumprem meticulosamente essas instruções.
Apressam-se a atravessar a rua para o outro lado, com um medo voraz de se lhes ser transmitida alguma doença. E prosseguem...
Quando amanhece desaparecem os cartões sujos com pessoas debaixo, esvaziam-se os caixotes e apanham-se os papeis. Tudo volta ao mesmo ciclo. Ao som. Ao cheiro. À vida. Mas as pessoas que por ali permanecem à noite debaixo dos cartões sujos não desapareceram... apenas se tornaram invisiveis... ou pensando bem... nunca deixaram de o ser...
1 Comments:
Andamos todos a tentar tornarmo-nos invisíveis, Mano. Mas, um dia conto-te um sonho que tenho e que "por acaso" até está ligado com este teu post!
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