sexta-feira, agosto 22, 2008

Ao som da viola

Foi até à varanda. Esperou que o som voltasse. Voz amiga. Voz amante. Voz materna e maltratada, nascida do seu ventre, alimentada entre os seus braços de fogo e desgraça. Apenas mais uma vez. Aquela voz que lhe sussurrava nomes de pássaros gigantes, que lhe contava histórias de cores, sabores, cheiros e sorrisos. Só mais um suspiro, réstia de som tão palpável, tão fugaz, tão etéreo...
Sentiu que o chão se abria debaixo dos seus pés. Olhou para o céu e teve a certeza. Era a última vez. Levantou os braços e tentou alcançar o imenso pássaro colorido, vaivém de uma Terra que deixou de pertencer. Em vão. O vazio engolia-a impiedosamente, arrastando janelas, portas, muros. Medos, sorrisos, abraços. Intensidades, sinceridades, veleidades. Sol, Lua, estrelas. A respiração abandonou-a. Fechou os olhos sem lágrimas.
Estou aqui - disse-lhe a voz, debruçada sobre o seu corpo inerte.
É sempre tarde demais.