segunda-feira, outubro 09, 2006

Viagens

Tantas viagens diárias que faço dentro de mim. No ir e no regressar, há o caminho que me deixa assim, perdida em momentos que não existiram, em palavras que não compreendi, noutras que não pronunciei. Cada viagem é uma oportunidade de não regressar. Uma oportunidade raramente aproveitada. Por isso, deito-me e fico a ouvir o José Cid e roubo-lhe as palavras: "Tu foste o sonho e eu o sonhador..." Enquanto vou e venho, deixo-o falar por mim. Há viagens que incluem outras viagens, outros viajantes que vão e vêm e se cruzam comigo, falam-me de sonhos, de amor e de comboios, mas que partem... partem sempre e eu volto a ficar só. E insisto em voltar a ouvir as mesmas melodias, como para recordar-me que estou triste e que preciso de chorar. Como que para esvaziar-me do veneno da incompreensão que deixei que me injectasse a distracção, quando já me julgava imune às incertezas das portas que se abrem e fecham constantemente à minha volta. Afinal, não estava e preciso de libertar-me desta droga, voltar a conseguir respirar e erguer as pálpebras, sem que o ardor do sal me volte a queimar a visão. Quero vêr e não limitar-me a olhar, assim, aqui sentada, sem obter qualquer resposta destas paredes que me cercam. Têm sido viagens intermináveis, que me deixaram exausta, mas sem possibilidade de descanso. O peso da mágoa veio depositar-se nos meus ombros e deixou-se ficar, paralisando-me todos os membros do corpo, inebriando-me a razão e empurrando para longe a minha alma. Desprovida de qualquer arma de defesa, limito-me a aguardar que se canse e parta. Enquanto isso não acontece, vou viajando, cega e de leve sorriso no rosto. Talvez o sol, que brilha lá fora, venha visitar-me mais tarde e até aceite acompanhar-me numa viagem tardia. Talvez volte a sorrir, de sorriso e olhos abertos.