sexta-feira, julho 07, 2006

Felicidade - II

"Felicidade. Chamar-se-á Felicidade." - pensou a mãe, exausta, ao ouvir o som dos soluços aflitos da filha que acabara de trazer ao mundo. Um nome que carregaria o peso da consciência materna, que duplicara de peso ao saber que tinha dado à luz uma menina. Felicidade seria o nome adequado para um ser cujo destino já se revelava infeliz; era a compensação que a mãe devia àquela menina que não pedira um pai que não a desejava, nem uma mãe que também não saberia desejá-la, assim que encarasse o olhar reprovador do marido. Felicidade era a única coisa que não poderia oferecer àquela criança, mas o seu nome anularia esta impossibilidade, pelo menos, através da força do amor que a mãe assim lhe dedicava.
-"Mais uma rapariga? Mas, porquê eu? Porquê esta miséria? Porquê este destino?" - a amiga que assitira ao parto acabara de informá-lo. Após pronunciar estas palavras, ele saíu, fechando bruscamente a porta atrás de si. Queria esquecer-se do que acabara de acontecer. Não poderia voltar a ser pai e muito menos de uma rapariga. Como podia ter sido tão irresponsável e permitir que outros olhos lacrimosos viessem ao mundo, pedindo-lhe alimento e agasalho? Já se sentia suficientemente culpado, ao observar as feridas nos pés dos outros dois filhos, por terem apenas um par de sapatos rotos cada um. Já dava reviravoltas na cama, imaginando como conseguiria um pouco mais de dinheiro no dia seguinte, uma vez que, o pouco que ainda conseguia cultivar nas terras pouco férteis herdadas do pai, já mal dava para a subsistência da família. Uma rapariga não trazia braços fortes para trabalhar, mas um ventre que seria necessário observar cautelosamente. Mais uma rapariga era mais uma hipótese de vêr a sua família manchada de vergonha. Já se sentia sem forças e o seu rosto envelhecera desde que a mulher lhe tinha anunciado a gravidez. Agora, que os piores presságios se confirmavam, tudo o que queria era mergulhar o fardo que carregava e que aumentara de volume, em vários copos de vinho, se possível, até perder os sentidos...