quarta-feira, julho 05, 2006

Palavras

As palavras são como moldes da realidade de cada um. É quando enchemos os moldes com substâncias consistentes, dando forma às palavras, que estas ganham um sentido e podem ser expostas, apalpadas, contempladas, utilizadas. Às vezes, utilizamos o gesso ou o barro, correndo o risco de quebrá-las um dia. Pior ainda quando criamos palavras de cristal ou de vidro, tão frágeis que necessitam de muito cuidado ao serem pronunciadas. Mas, que felicidade ao vêr uma bonita criação em ferro ou aço!
Tantos materiais ao nosso dispôr! Tantas técnicas e possibilidades criativas! Com a mesma madeira podemos construir a palavra casa, abrigo de sonhos, de momentos únicos de intimidade, de família e amigos; e a palavra caixão, abrigo da solidão calada para sempre. Com a mesma matéria criamos a confiança em si mesmo, mas se exagerarmos na dimensão da obra, não é difícil de vêr surgir o orgulho, a indiferença, ou a soberba.
Assim como é preciso ter cuidado na construcção das palavras, torna-se indispensável a sua correcta utilização, pois corremos o risco de empregar palavras de vidro como se fossem inquebráveis, ou de nos pormos a soprar palavras que ainda não passaram pelos moldes e, por isso, desprovidas de qualquer sentido.
Este último perigo é particularmente doloroso quando nos referimos a seres humanos. O que dizer, por exemplo, da palavra mãe, quando o criador se esqueceu de que não chega criar uma palavra e empregá-la a todas as obras qe reunem características mais ou menos similares? O que significa, afinal, a palavra mãe? Concepção, parto, maternidade, amamentação. Palavras que pertencem ao mesmo conjunto de moldes, mas que não chegam para definir esta palavra que, um dia, Alguém decidiu colocar entre as mais preciosas de todas as criações.
Infelizmente, alguns criadores esqueceram-se de juntar a este conjunto os moldes do carinho, da amizade, da compreensão, do colo, da felicidade, da união, da comunhão, do companheirismo, da protecção, da segurança, da confiança, do amor, do Amor, do abraço, do beijo, do conselho, da sabedoria, da calma, da sinceridade, do diálogo, da lágrima, do conforto... Atenção, senhores criadores, a falta de todos estes moldes reflecte-se na incorrecta utilização da palavra mãe! E esta palavra é uma preciosidade, não podemos continuar a falsificá-la, a utilizá-la indiscriminadamente, é preciso completá-la e impedir que estes erros sucessivos causem uma cadeia de falsificações. Como é triste observar a palavra filho ficar eternamente condenada, após a falsificação da palavra que lhe confere grande parte do sentido! Na mesma galeria, é difícil vêr exposta uma magnífica obra de arte entre a mediocridade que caracteriza todas as outras, diria mesmo, praticamente impossível! Pensemos nisto, senhores criadores e priviligiemos a qualidade das nossas palavras!

5 Comments:

Blogger Green Tea said...

estou arrepiada ... é tudo o q consigo dizer

**

1:53 da manhã  
Blogger Lígia Mendes said...

Há momentos em que nos apetece dizer outras coisas, gritar, criticar, babar de raiva, chorar de desespero... Eu refugio-me nestes textos de racionalidade duvidosa e fico a observá-los depois, sabendo que nao era nada daquilo...

8:57 da manhã  
Blogger Green Tea said...

... como se a soltares as palavras que te roem não as pudesses controlar ...

aconteceu-me, uma certa vez, a única que fiz um edit de um post meu. pq olhei, vi q ERA aquilo, mas no dia seguinte quis q n fosse, ou q n fossem minhas as palavras, mas eram.

é um texto forte, o teu. se n era nada disto, acabou por o ser ;)

1:17 da tarde  
Blogger Lígia Mendes said...

Não era nada disto, porque devia ter mais coragem para deixar realmente saír o que me consome todas as forças, a única coisa que me deita abaixo num segundo... e já há tanto tempo! Enquanto escrevo, pelo menos, fico a vêr o comboio a passar, o que já não é mau, pois poderia ainda nem ter chegado à estação...

4:42 da tarde  
Blogger Green Tea said...

pode ser q aindas ganhes força para te levantares do banco e apanhares o comboio, pq há horários, e eles não deixam de passar. podemos chegar atrasadas, mas chegamos sempre, se for esse o nosso destino (a acreditares em destino, eu prefiro pensar que o moldamos, como às palavras).

qualquer dia, um dia qualquer, sai-te esse texto, essas palavras que teimam em ficar só a ecoar por aí ... se n saíram ainda, foi pq n teve de ser, os comboios parecem todos iguais, mas n são ...

11:58 da tarde  

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