domingo, maio 06, 2007

Eugénio

Se pudesse, pegava-te na mão e levava-te a ver o mar. Sentávamo-nos na areia e eu contava-te histórias de navegadores, caravelas que iam e vinham, astrolábios e rosas-dos-ventos. Falava-te de constelações e de reis, de rotas e de batalhas. Histórias de outros tempos que se tornavam a tua história. E tu voltavas a acreditar. No brilho dos teus olhos, renascia a criança que és e era a tua vez de pegares na minha mão e me levares a conhecer-te. Mostravas-me orgulhoso o casebre sem passado, onde a tua existência apagada reencontrava um pouco de calor a cada regresso a pé, de um percurso que parecia infindável, sob o tórrido calor de um Verão que nunca acaba. Vestias os calçõezinhos azuis e a camisa branca e, de caderno e lápis na mão, fingias que ías para a escola. Eu imaginava-te sentado sobre o banco de madeira tosca, a escutar a voz suave de uma professora chamada Maria. E imaginava a professora Maria, que ainda acreditava também, a enxugar as lágrimas, quando chegava a hora do recreio. Tu continuavas a empurrar-me para dentro do teu mundo, com o sorriso orgulhoso de quem ainda não tem vergonha, de quem ainda não conhece o significado de muitas palavras, como justiça, liberdade ou esperança. E eu seguia-te, visitava o campo cultivado com a ajuda das tuas mãos pequeninas e aprendia a conhecer todos os esconderijos de uma infância sem fadas, balancés ou jogos de futebol, de mão dada com o pai. Já não tinhas pai. Nem mãe. Menino sem passado, sem futuro, de presente desenhado nas cantigas que passavam de boca em boca, nos calos das mãos, nos pés feridos. E eu aprendia a sorrir, apenas por te ver sorrir. Porque tu eras a razão para continuar a viver. À noite, quando te contava mais uma história, não querias adormecer. Nas minhas palavras depositavas os teus sonhos e eu também não queria deixar-te adormecer. Queria contemplar para sempre a inocência do teu ser, quando o teu rosto se abandonava às carícias das minhas mãos. E queria esquecer este mundo, pois a perfeição estava ali, longe da mentira, da decepção, da agonia. Tu eras o meu menino e ambos escrevíamos uma nova história juntos. As caravelas não voltariam àquela terra longínqua, mas eu já não queria partir. Queria apenas ver-te chegar da escola e acolher-te na tua nova casa: os meus braços estendidos para te abraçar.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Será porque o Mundo é redondo, como a maçã, que os antipodas são quase iguaizinhos?
Dum lado amanhece, do outro o Sol despede-se. Primavera em pleno versus Outono dourado.
Lá "em baixo", no país do crocodilo, o Eugénio ainda nem sabe que a menina que admira o passarinho na sua janela já vela por ele.
Os anjos existem e quem exigir uma prova documental, científica, para isso nem sabe o que perde!

É um privilégio terem-me aberto este blogue! Apesar de o "paralelo" ser uma coisa que me faz medo, se for assim nunca as duas linhas se encontram.

10:59 da manhã  
Blogger Rogério Junior said...

Abri esta caixa apenas para informar que removi daqui um comentário. Ofensivo e sem propósito em relação ao post. E não foi só por isso que o removi. É bom escondermo-nos por detrás de um "anónimo" e ofender toda a gente. Sejamos civilizados e assumamos as nossas palavras. E não vale a pena me vir também para aqui ofender porque confesso que não sou um bom Cristão... :) Agora se estiver lembrado(a) há uma frase que diz assim "quem nunca tiver pecado que mande a primeira pedra".

Ah, e fique sabendo que o anonimato nestas coisas da Internet tem muito que se lhe diga!

Cumprimentos,

Rogério Junior

10:32 da tarde  

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