sábado, outubro 14, 2006

Se eu fosse pequenina, hoje entraria numa bola daquelas que enfeitam os pinheiros de Natal, colorida, brilhante, mas discreta, daquelas que ficam atrás da árvore, apenas para que esta não fique despida, mas sem qualquer outra importância para a decoração natalícia. Deixáva-me lá ficar a chorar baixinho, enrolada como uma criança no ventre da mãe, a alimentar-me dos cânticos, dos odores natalícios, da energia positiva dos presentes que se vão multiplicando junto às agulhas afiadas do pinheirinho de Natal. De vez em quando, espreitaria as luzes acesas noite e dia, pois sei que teria medo de vêr a noite chegar, como hoje, neste momento, em que o sol já deixa o seu lugar ao frio cortante da noite, lá fora e aqui dentro, não da bola, mas do meu peito. Ah, pudera eu ser pequenina! Ah, se fosse sempre Natal! As lágrimas secariam um dia e eu ficaria dentro da bola a viver para sempre. Talvez não chegasse a sentir o gosto da felicidade, mas que importa? O gosto amargo da felicidade que parte é tão mais intenso, tão mais duradoiro, tão mais real! Tão melhor observar apenas os outros sorrisos e deixar-me ficar na minha bola, até esquecer que um dia nasci para ser humana. Talvez viesse a metamorfosear-me pela força do não-pensamento. Talvez me transformasse numa borboleta e apenas tivesse um dia de vida. Sairia da bola, mas apenas porque seria o melhor dia da minha vida, pois saberia que o dia seguinte não existiria. Seria o melhor dia da minha vida, pois teria a certeza que não teria que levantar-me de olhos inchados e encarar a luz, os outros olhares, a vida a esbofetear-me. Seria o melhor dia da minha vida, pois no dia seguinte não estarias lá, presente, mas de olhar perdido no vazio, a atirar-me a solidão à cara. Sem dúvida, seria o dia feliz!
Quem dera não houvesse amanhã! E pudesse quebrar hoje, ao fechar os olhos, a corrente que me leva sempre e mais uma vez ao desespero, ao grito abafado, à falta de abraço, à falta de Tudo. Quem dera não ter de ser eu, poder ser outra, outro corpo, outra alma, outra razão, outro coração. Quem dera poder sentir-me boneca de porcelana e não boneca de trapos. Quem dera fosse o mundo do tamanho da bola do pinheiro, sem mais nada que as estrelas a deixarem-se derreter para dentro da escuridão desprovida de qualquer sentido. Quem dera não existisse filosofia nem Amor. Quem dera o vazio se materializasse agora e me levasse efectivamente com ele, pondo um termo a este jogo do rato e do gato que não me deixa dormir nem estar acordada, desperta, atenta.