sábado, fevereiro 25, 2006

(outro) Mundo em Paralelo

Sentei-me a um canto, acendi um cigarro e pedi um copo.
Perdi-me num pensamento profundo e deixei-me ficar a tentar encher a cabeça de algo diferente que pensamentos.
Senti-os entrar, eram dois e soltavam gargalhadas sonoras, sentaram-se e pediram dois copos, acendeu-se uma chama e uma conversa.
Ela sentou-se de costas para o relógio que entretanto parou. Não foi ele que o mandou parar, mas agradeceu. Trocaram copos e palavras numa linguagem que não entendi. Contaram confidências que escutei atentamente sem perceber.
Talvez fossem estrangeiros que ali se tinham acomodado.
Deixei-me ficar a tentar acompanhar, e deixei de ver os dois que ali se tinham sentado, via apenas uma alma e dois sorrisos, um olhar cúmplice que não consegui desvendar e muitas palavras trocadas. Partilharam um silêncio demasiadamente longo que não os incomodou.
Fascinou-me.
Entenderam-se num gesto só, tocaram-se e afastaram-se. Trocaram vidas e incendiaram-se por dentro. Ele ficou sem jeito e ela sem reacção. E entre instantes libertaram-se e deixaram-se voar. Não consegui acompanhar a conversa que avidamente partilhavam, demasiadamente pessoal, demasiadamente corporal, demasiadamente única. Deixei de tentar perceber e apenas fiquei a observar. Não os vi aborrecerem-se nem discordar, era um só fio que os agarrava ali.
Vi cores e sabores, pedaços perdidos e brilhos profundos.
Não os vi ficar impacientes para acabar a tal conversa em dialecto próprio, nada os incomodava. Deixaram-se ficar em sorrisos perdidos e lágrimas rebeldes. Perderam a noção do que eram para serem quem realmente eram. Deixaram de se enganar para o mundo e conquistaram um apenas deles. Ele partilhou uma ideia fugaz, (pelo menos pela forma como pronunciava as frases, que da conversa não entendi uma única palavra) e ela aceitou. Partilharam um sonho e voltaram à realidade, mas aquele tempo era só deles e viu-se o gesto de quem tenta voar novamente. E voltaram a partir, para onde não sei, deambularam durante horas que não existiram, em pensamentos recorrentes que não se negavam a partilhar, deixaram-se ficar sem pensar que existia algo mais que eles.
Perderam-se e encontraram-se.
Acreditaram e ficaram durante o tempo que se tinham permitido...
Vi-os levantar e sair.
Eu fiquei, perdido num pensamento profundo, com um copo já vazio e um cigarro aceso.
Entraram dois. Saíram dois. Mas à minha frente vi apenas um.