quarta-feira, fevereiro 22, 2006

a vila da Vida

Ainda se sentia a geada da manhã quando sairam de casa, o rapaz acompanhava-o para um destino comum. Perdiam-se em silêncios improvisados e conversas banais, o rapaz estava ali e sentia-se em liberdade consigo mesmo. São poucos os instantes em que se sente assim. Ele, estava ali porque era mesmo preciso, e controlava muitas vezes uma lágrima que lhe teimava em aparecer no olho, era de um outro tempo e as emoções reprimiam-se. Habituou-se e sobreviveu. Mas em momentos passageiros o gesto expontâneo de um pequeno abraço ou mesmo aquela lágrima, sempre aquela lágrima, aparecia e deixava-se embalar. O rapaz é de outra geração. Esboça um sorriso e pouco mais. Por dentro sabe que está disposto a parar o mundo por ele. Deixa isso para si. É prudente. Dá-se de corpo e alma, e demonstra-o em pequenos sorrisos. Desperta uma lágrima escondida. Sempre aquela lágrima.
Destinos e afazeres resolvidos. Aborrece-se por uma causa. Assiste como espectador impotente a um espectáculo deprimente. Está habituado. A cara sem qualquer sentimento. Foi habituado. O corpo a pedir guerra. A razão a detê-lo. Vai-se habituando. Ainda é novo.
Regressam à velha paragem de camionetas, ali, bem no centro da grande cidade. Repletas de pessoas, acotovelando-se, passando injurias e ideais. É o peso da civilização.
Mas há um estado de alma que mudou. Não se sabe bem porquê. Mas apercebem-se. É um laço que os une. Hoje. Amanhã. Sempre. Ambos têm dificuldade em falar. Não se nota. Há uma cumplicidade que não se compreende, nem se tenta. Não há dependência. Fascina-os.
Num gesto rasgado ele atravessa a paragem. Puxa o jovem por um braço. E num sorriso perfeito aponta para a frente:
- É ali a vila Rosa. Eu nasci ali. Este prédio é novo. Este outro já existia. Era uma fábrica de doces. Isto é tudo novo. Mas ali nasci eu. É a vila Rosa.
A lágrima escorreu-lhe pela cara sem que qualquer gesto a detivesse, e, ao cair no chão encontrou companhia. Era a lágrima do jovem que também lhe tinha fugido.
Sempre aquela lágrima.
E num movimento impreciso cruzaram-se os olhos e os silêncios.
Ambos têm dificuldade em falar. Não se nota.

1 Comments:

Blogger Lígia Mendes said...

Sei que não queres nem podes - não o deixes fugir, desamarra a lágrima hoje, amanhã, sempre. Deixa a Vida tornar-se na verdadeira "aldeia global" que vale a pena! Adoro-te!

9:32 da manhã  

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